A semana passada foi cheia de discursos. A maioria dos que atraíram atenção nos EUA foram na Convenção Nacional Democrata, culminando no grande momento que a vice-presidente Kamala Harris aceitou ser candidata à presidência, na quinta-feira (22).
Mas houve outro discurso importante na sexta-feira (23): a fala do presidente do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA), Jerome Powell, no encontro anual em Jackson Hole, Wyoming.
Sim, as observações de Powell foram de particular interesse para os investidores em busca de pistas sobre a futura política monetária. Mas, embora seu discurso tenha sido rigorosamente apolítico, teve importantes implicações políticas. Pois o que estamos vendo, eu diria, é a inflação desaparecendo —não apenas nos dados, mas também como uma questão política. E isso, é claro, é uma ótima notícia para os democratas.
Sobre o discurso de Powell: Ele observou que a taxa de inflação diminuiu muito desde que atingiu o pico em 2022 e mostrou confiança de que está no caminho certo para atingir a meta de 2% do Fed —e por que está chegando lá sem o desemprego em massa que alguns economistas afirmavam ser necessário.
A queda da inflação praticamente garante que o Fed cortará as taxas de juros na reunião do próximo mês, embora o tamanho do corte seja incerto.
O que trouxe a inflação para baixo? Como muitos economistas, incluindo eu, Powell acredita que a inflação foi amplamente causada por “distorções relacionadas à pandemia” e que “o fim do impacto causado por esses fatores levou muito mais tempo do que o esperado, mas, em última análise, desempenhou um grande papel na subsequente desinflação.”
Embora Powell não tenha dito isso de forma explícita, essa análise implicitamente exonera o governo Biden. Muitas pessoas, como Elon Musk —que, após demonstrar sua perspicácia política no ano passado ao apoiar Robert Kennedy Jr., recentemente decidiu que é um especialista em macroeconomia— atribuem a inflação aos gastos do governo na era Biden. A discussão de Powell sugere, no entanto, que a política fiscal desempenhou, no máximo, um papel secundário.
Mas poucos eleitores acompanham os discursos do Fed; eles vão parar de culpar os democratas pela inflação?
Não necessariamente. Pesquisas sugerem que a relevância política da inflação e da economia em geral tem diminuído. Provavelmente é tarde demais para convencer os eleitores de que os democratas fizeram um bom trabalho na gestão econômica, embora isso seja verdadeiro —no geral, os EUA superaram outras nações ricas, alcançando um crescimento muito alto sem uma inflação tão alta. Mas a economia parece cada vez menos ser o trunfo que os republicanos esperavam.
Agora, a opinião pública sobre a economia é peculiar. A pesquisa de confiança do consumidor da Universidade de Michigan continua a mostrar uma visão mais negativa da economia do que se poderia esperar, dada a inflação relativamente baixa e o baixo desemprego. Mas também mostra os entrevistados dizendo, por uma margem de três pontos, que Kamala Harris é uma candidata melhor para a economia do que Donald Trump.
Esta é uma grande mudança em relação ao início deste ano, quando os entrevistados favoreciam Trump em relação a Joe Biden por uma margem considerável. Essa reviravolta se encaixa com uma pesquisa do Financial Times —realizada antes da convenção democrata— mostrando Harris mais confiável na economia do que Trump.
Para ser justo, várias outras pesquisas ainda mostram Trump à frente na economia, mas sua vantagem tem diminuído. E uma nova pesquisa da YouGov mostra Harris na frente de Trump quando os temas são os custos de saúde, habitação e alimentos. O mesmo centro de pesquisas mostrou o ex-presidente dos EUA com uma vantagem de 18 pontos percentuais sobre o tema inflação, no início de julho.
Claro que estou ansioso para ver como esses números estarão em pesquisas que serão realizadas após a convenção democrata, e especialmente após o Fed cortar as taxas de juros, sinalizando sua crença de que a inflação está sob controle.
Por que a política da inflação está mudando? Novamente, a maioria dos eleitores não estuda os discursos do Federal Reserve; mas o crescente consenso entre os especialistas de que a inflação foi principalmente sobre a pandemia, não sobre a política de Biden, pode finalmente estar se concretizando. Da mesma forma, os avisos de que as tarifas propostas por Trump —que Kamala corretamente caracterizou como um “imposto nacional sobre vendas”— aumentariam os preços ao consumidor.
Além disso, substituir Biden por Kamala como a candidata democrata pode estar ajudando os eleitores a deixar para trás o choque inflacionário de 2021 e 2022 e focar na realidade da baixa inflação no último ano. As expectativas dos consumidores sobre a inflação no futuro estão de volta aos níveis pré-pandemia.
E eu gostaria de acreditar, embora isso possa ser uma vontade, que Trump está sendo prejudicado pela pura extravagância de suas afirmações. Quando ele diz que o preço do bacon aumentou “quatro ou cinco vezes”, ele demonstra a qualquer pessoa que realmente compra mantimentos que está fora de sintonia com a realidade da vida dos americanos.
Qualquer que seja a explicação, a inflação parece estar perdendo seu valor como uma arma política. As pessoas ainda reclamam que as coisas custam mais do que antes (e muitos não aceitam os argumentos dos economistas de que tentar reverter os níveis de preços seria uma má ideia), mas o alarmismo republicano sobre o assunto está ficando obsoleto.
Obviamente, ninguém sabe o que acontecerá no dia da eleição. Mas há evidências cada vez maiores de que a inflação, que caiu substancialmente nos últimos dois anos, pode importar muito menos para a eleição do que muitos observadores esperavam.
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