O presidente da Argentina, Javier Milei, já tem seu primeiro representante na ficção local. Um sujeito que odeia o Estado, que desrespeita as leis de trabalho, que é misógino, que elogia a meritocracia com base na trapaça e com um verdadeiro dom que o permite subjugar e dominar a todos. Também sabe atuar com astúcia, mas tem ataques explosivos nos quais insulta e xinga. Curiosamente, tem um charme inexplicável. É uma personalidade repugnante, mas atraente.
Além disso, é de uma infantilidade delirante. Ele crê que está conquistando o mundo e guarda, no quarto de sua própria casa, uma reprodução do bairro onde trabalha, Belgrano (de classe média alta), na qual vai fincando bandeirinhas nos prédios que quer controlar. É o território que precisa ser dominado em uma espécie de partida do vetusto jogo de tabuleiro War.
Trata-se de Eliseo Basurto (interpretado por Guillermo Francella) na série “El Encargado”, que no Brasil ganhou o nome de “Meu Querido Zelador” e é exibida pela Disney+. A terceira temporada já teve seu final na Argentina.
Nas duas primeiras temporadas, Eliseo trata de temas mais simples, mas que podem custar caro ao seu estilo de vida. Por exemplo, os moradores do edifício querem destruir a casa em que ele vive no último andar para construir uma piscina.
Eliseo joga com os moradores como se fossem peças de xadrez, descobrindo seus segredos, chantageando e, na surdina, colocando uns contra os outros até que consegue os votos para barrar a obra.
Na segunda temporada, ele trava um embate cheio de armadilhas até que se sai vencedor a ponto de tirar o apartamento de uma velha senhora sem herdeiros, sendo então o novo proprietário e também zelador, tornando-se o sujeito mais poderoso do edifício.
Na terceira temporada, o encontramos em outra posição, geográfica inclusive. Ele está em um hotel luxuoso de São Conrado, no Rio de Janeiro, com outros zeladores de todo o mundo numa tentativa de buscar soluções para as novas exigências do mercado.
Enquanto seus colegas se divertem na piscina, Eliseo fica entediado. E as águas revolvem suas ideias. Quando volta a Buenos Aires, ele diz que não sairá mais de seu bairro e que o conquistará totalmente.
Eliseo monta uma empresa para terceirizar zeladores. Ninguém paga impostos, nem planos de saúde, nem seguros por acidentes de trabalho.
A Soluciones Integradas Basurto se transforma em uma espécie de Uber poderoso de zeladores, mas também deixa sem atenção os idosos que costumavam pedir aos seus zeladores de confiança que levassem seus cachorrinhos para passear na madrugada ou os que imaginavam que teriam os vidros limpos pela manhã depois de fazer alguma viagem de fim de semana. Tudo é cobrado no mundo de Eliseo, mas quem ganha não são os sindicatos.
Quem não gosta de spoilers, evite o último parágrafo, mas aviso que não será tão revelador, já que a conclusão é óbvia. A experiência de Eliseo, que se mostra um retumbante sucesso logo de cara, será rapidamente identificada por aqueles que mais odeiam apoiadores de Javier Milei e de Jair Bolsonaro, as autoridades e a “casta política”, a burocracias do Estado e a ineficiência da máquina pública.
A série terá um encontro explosivo, como se pôde sentir em alguns bairros de Buenos Aires na noite do último capítulo, em que houve pequenos panelaços num dos álgidos momentos finais.
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