Todos os dias são registrados, apenas na Inglaterra e no País de Gales, cerca de 3.000 casos de violência contra mulheres e meninas, incluindo sexual, doméstica, perseguição (stalking) e abuso infantil. O dado provém do relatório apresentado no fim de julho pelo Conselho Nacional de Chefes de Polícia (NPCC, na sigla em inglês).
Antes da pandemia de Covid-19, os números eram um terço menores, e a polícia britânica agora registra um “estado de emergência nacional”. Em reação, a nova ministra do Interior, Yvette Cooper, anunciou a intenção de combater essa forma de criminalidade com mais vigor.
O Ministério do Interior do Reino Unido pretende divulgar até outubro um estudo sobre formas de combater o extremismo crescente com mais êxito. E nele, a misoginia será abordada de forma semelhante ao extremismo de direita ou islâmico.
Cooper considera insuficientes as diretrizes adotadas até o momento. De acordo com a definição comumente aceita, misoginia é a depreciação radical da mulher, indo até à violência e ao feminicídio – matar alguém só por ser do sexo feminino.
Já há bastante tempo a polícia britânica vem alertando contra uma piora da situação das mulheres e meninas no país. Isso se deve também à radicalização crescente dos homens jovens, cujo modelo, diz a vice-comissária nacional Maggie Blyth, é, por exemplo, o influenciador Andrew Tate.
O autointitulado misógino é notório há anos nas redes sociais por suas mensagens assertivas de ódio: para ele e seus seguidores, mulheres não passam de uma propriedade do homem e devem estar sempre sexualmente disponíveis. Na Romênia, Tate é acusado de tráfico de pessoas e de estupro.
A análise Tracing online misogyny (Rastreando a misoginia online) mostra que, nos últimos anos, a misoginia tem se tornado cada vez comum e visível na internet, por exemplo, “através de uma linguagem desenfreada, em que se deseja violência e estupro para as mulheres”. O estudo foi feito pela empresa Das Nettz em cooperação com a companhia de tecnologia da informação Textgain, da Bélgica.
“Precisamos educar uma geração para que tenha uma postura saudável perante meninas e mulheres, caso contrário, mais tarde vamos nos confrontar com uma geração inteira de misóginos”, afirmou a ministra britânica da Educação, Bridget Philippson. Pois a radicalização já se faz notar desde a escola.
A nova estratégia antiextremismo poderá também atingir a cultura dos “incels” (abreviação de “involuntary celibates”, celibatários involuntários em inglês). Culpando as mulheres e os “homens-alfa” por seu “celibato involuntário”, eles partilham uma visão de mundo misógina em fóruns de redes sociais.
Por vezes, os incels conclamam ao ódio e à violência ou se voltam contra determinados indivíduos, denunciando-os através de “cartazes de procurado” ou fotos, como descreve a publicação da alemã Fundação Heinrich Böll intitulada Movimento antifeminista de direitos dos homens.
A secretária de Estado britânica Jess Phillips disse à emissora LBC que não se trata de criminalizar quem exiba sinais de uma determinada ideologia, mas sim de evitar extremismos. Nesse contexto, o semanário alemão Die Zeit cita a estratégia antiterrorismo Prevent, já aplicada em 2007 pelo governo trabalhista, voltada sobretudo contra o extremismo de direita e islâmico.
Prevent, uma estratégia antirradicalização controversa
A estratégia prevê, entre outros pontos, que funcionários da assistência social relatem sobre indivíduos nos quais percebam tendências iniciais de radicalização. Estes podem então ser encaminhados a um programa antirradicalização.
O site do governo para a Prevent enumera os sinais que devem gerar alertas: justificativa da violência, recusa de cooperar com determinados grupos e uso de símbolos ou roupas que indiquem conexões com organizações terroristas. A partir do terceiro semestre de 2024, a estratégia poderá passar a ser aplicada também a alunos suspeitos de atitudes misóginas extremas.
A Prevent não é livre de controvérsias, sendo criticada há anos como “programa de espionagem”. Também nas redes sociais não há apenas aplausos desde o anúncio dos novos planos do governo. Alguns usuários perguntam, por exemplo, por que o ódio contra homens não é também classificado como extremista. Também questionam quem define o que é misoginia extrema.
Outras instâncias, como a Bold Voices, preferem sensibilizar os jovens sobre o que são comentários misóginos, antes de denunciá-los como extremistas. Para abrandar a situação, os workshops da plataforma de esclarecimento sobre discriminação de gênero visam tanto abordar o assédio e a violência sexual que as jovens sofrem, quanto ajudar os homens a falarem sobre a pressão a que se sentem submetidos.