A pergunta é: como um evangélico que não alardeia sua crença em Deus como arma eleitoral pode tirar eleitores de Donald Trump? Assim como Jair Bolsonaro, Trump não figura no rebanho de ovelhas mais bem comportadas em termos de moralidade cristã, todavia, conseguiu a proeza de se firmar como defensor e protetor de valores cristãos. A senha que Trump usa para abrir o coração dos evangélicos estadunidenses é a palavra liberdade. É justamente falando de um jeito evangélico sobre liberdade que Tim Walz pode ajudar os democratas a vencer Trump pela segunda vez.
Tim Walz, candidato a vice-presidente dos EUA, escolhido por Kamala Harris, é um cristão luterano. Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, tanto a religião dos candidatos como suas conexões com grupos religiosos acabam ocupando espaço na cobertura do processo eleitoral. Walz já foi elogiado por ter sido professor, sindicalista, técnico de futebol americano e militar, mas vou argumentar a seguir que a tradição cristã que ele segue também beneficia a candidatura democrata nesta disputa.
Aproximadamente 20% da população de Minnesota é luterana. Tim Walz é governador desse estado pelo segundo mandato. No século 19, luteranos escandinavos se estabeleceram nessa região dos Estados Unidos. A igreja frequentada por Walz é a Pilgrim Lutheran Church em St. Paul. Ela é filiada à Igreja Evangélica Luterana na América (Elca) e conta com cerca de 3 milhões de membros no país.
Embora aqui no Brasil, pela influência das Missões Batistas do Sul dos Estados Unidos, estejamos mais acostumados com evangélicos que falam sobre sua religião em espaços públicos e imprimem em suas falas um tom proselitista, nem todo evangélico age desse modo. É o caso de Tim Walz que, como um típico luterano de Minnesota, não costuma fazer menções ao nome de Deus e à religião quando está nos palanques eleitorais.
Desde que foi escolhido como candidato a vice, ele tem repetido em seus discursos que os atuais republicanos não levam a sério a defesa da liberdade e da família. Sua fala —como a que vou citar, do discurso que fez recentemente em Las Vegas— pode ser resumida nas seguintes afirmações:
“Republicanos falam sobre liberdade, mas não creem mais nela. Eles querem mais controle do governo sobre o modo como você forma sua família. Querem controlar o que você conversa com seu médico e que livros você pode ler. Eles que cuidem da vida deles e não venham ditar regras sobre a minha vida e minha família. Kamala e eu falamos sobre liberdade de modo muito claro, trata-se da liberdade para você tomar suas próprias decisões.”
Essa radicalidade da defesa da liberdade é um dos legados da Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero. Quando católicos e protestantes se trucidavam em guerras religiosas, coube à John Locke tirar as conclusões lógicas da Reforma: “Nem mesmo Deus salvará os homens contra a vontade deles”. Logo, é besteira tentar obrigar qualquer pessoa a viver do jeito que ela não quer. Tim Walz está conseguindo dizer isso de um modo que faz sentido para os estadunidenses hoje.
Na condição de governador, Walz costuma comparecer aos eventos da comunidade muçulmana de Minnesota e não se recusa a defender o direito que os imigrantes somalis têm na escolha pela conservação de sua religião no novo país. Afinal, por que negar a eles o direito que seus ancestrais escandinavos tiveram quando foram para Minnesota?
O currículo de Walz como soldado da Guarda Nacional, técnico de futebol americano e professor também pesou na escolha para ser o vice de Kamala, mas sua experiência religiosa como um típico luterano oferece a ele um jeito de falar e de mostrar que a defesa da liberdade e da família não são monopólio da extrema-direita. E, considerando como EUA e Brasil têm evoluído como espelhos um do outro nos últimos anos, no campo político, o que os políticos daqui podem aprender com Walz?