“Eu amo ser judeu”, diz o marido de Kamala Harris, atual vice-presidente dos Estados Unidos e candidata à Casa Branca, Douglas Emhoff. “Amo tudo que tem a ver com o judaísmo. Tenho vontade de gritar isso do alto de uma montanha.”
Emhoff não estava declarando seu amor do alto de uma montanha, mas para uma sala de estar em Chicago cheia de doadores do Partido Democrata, uma semana antes de a sigla se reunir na cidade para nomear formalmente a esposa dele para a disputa à Presidência.
Desde que Kamala emergiu como candidata presidencial da legenda, Emhoff deixou claro como ele pretende ajudá-la a vencer: aproximando-se de eleitores judeus.
Ele tem falado cada vez mais sobre sua identidade judaica e sua fé. E sinalizou que pretende fazer da luta contra o antissemitismo uma parte central de sua agenda como “primeiro-cavalheiro” caso sua mulher vença.
Emhoff tem se dedicado a explorar a questão do judaísmo desde que Kamala se tornou vice-presidente —no ano passado, por exemplo, ele visitou o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau na Cracóvia, Polônia.
Seu foco no tema e, mais do que isso, sua decisão de falar para públicos majoritariamente judeus se intensificou, segundo ele, depois dos ataques de 7 de outubro do Hamas a Israel, seguidos pelos protestos de americanos contra o apoio dos EUA ao Estado judeu.
“Esse ódio, esse antissemitismo é um veneno”, afirmou Emhoff em um evento de arrecadação de fundos em Glencoe, nos arredores de Chicago, prometendo em seguida continuar sua luta contra o antissemitismo caso Kamala seja eleita.
As declarações de Emhoff se dão sobre um pano de fundo de uma grande polarização sobre a guerra na Faixa de Gaza dentro do Partido Democrata.
Muitos integrantes da esquerda da sigla criticam o presidente, Joe Biden, por seu apoio a Tel Aviv no conflito. (Donald Trump, o candidato do Partido Republicano, já disse que qualquer eleitor judeu que apoia a chapa presidencial democrata precisa de “exames neurológicos”.)
Por outro lado, vários membros acreditam que Kamala é mais simpática à causa palestina do que Biden. Ela também irritou alguns eleitores judeus ao escolher Tim Walz como número dois de sua chapa em vez de Josh Shapiro, governador da Pensilvânia que é judeu.
Nesse contexto, a missão de Emhoff parece cada vez mais clara, manter o apoio dos democratas judeus à chapa de sua esposa —incluindo na noite desta terça-feira (20), quando ele discursa na convenção do Partido Democrata.
As últimas semanas são o capítulo mais recente de uma jornada que levou Emhoff, um advogado da área de entretenimento em Los Angeles —onde, em 2013, conheceu Kamala, à época procuradora-geral da Califórnia, em um encontro às cegas— a se tornar marido da candidata do Partido Democrata à Presidência.
Se Kamala vencer as eleições, ele seria o primeiro homem a ocupar a posição de cônjuge da presidente (ou “primeiro-cavalheiro”), cargo que não tem uma descrição oficial ou um salário.
Pessoas que cumpriram essa função no passado o fizeram com diferentes aspirações e ambições diferentes. “Quem vê de fora acha que tudo o que eles fazem é sediar jantares de Estado e organizar celebrações nos feriados”, afirma Jeremy Bernard, secretário social de Barack e Michelle Obama. “Eles certamente fazem essas coisas. Mas de verdade, e honestamente, o papel que eles desempenham nelas é bem pequeno.”
Ao focar o antissemitismo, Emhoff aborda um dos temas mais controversos da gestão Biden —a guerra Israel-Hamas. O advogado, que recusou um pedido de entrevista do The New York Times, tem evitado discutir as políticas governamentais em relação a Israel e a Gaza, afirmando que essas são questões políticas e que devem ser discutidas com sua mulher.
Mas pessoas próximas a ele dizem que toda vez que Emhoff fala sobre o significado de seu papel como cônjuge de Kamala ele volta ao tema do judaísmo.
“Sua identidade judaica é parte de quem ele é”, diz Deborah Lipstadt, enviada especial para o monitoramento e combate ao antissemitismo de Biden. “Quando o conheci pela primeira vez, ele me disse: ‘Pensei que a novidade seria que eu talvez fosse o primeiro homem nessa posição. Mas é que eu talvez fosse o primeiro judeu.'”
“Ele abraçou isso”, acrescenta Lipstadt.
Durante sua passagem por Chicago, Emhoff falou sobre aderir à tradição judaica de fixar uma mezuzá (uma caixa contendo um pergaminho inscrito com um trecho da Torá) nas portas da residência da Vice-Presidência e de realizar o primeiro Seder lá para marcar a festa judaica da Páscoa.
Ainda em Chicago, Emhoff contou que decidiu abraçar a causa por incentivo de Kamala. Ele lembrou que a mulher foi eleita para o Senado em um momento em que o antissemitismo estava em ascensão, vide a marcha de supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia, em 2017 e o assassinato de 11 pessoas em uma cerimônia na sinagoga Árvore da Vida, em Pittsburgh, em 2018.
“Eu era um advogado de entretenimento de Los Angeles. Não tinha ideia do que deveria fazer. Ela disse: ‘Você tem esse microfone. Você tem a obrigação de usá-lo para falar em nome das milhões de pessoas que não estão aqui. Ela realmente, e desde o primeiro dia, bem antes do 7 de Outubro, me incentivou a fazer esse trabalho”, disse Emhoff no evento de arrecadação de fundos.