Atento às ações do Brasil, o regime de Nicolás Maduro na Venezuela tem se queixado até de publicações que o governo brasileiro faz em redes sociais em referência ao processo de crise no país vizinho após a contestada reeleição do ditador no último 28 de julho.
Mais especificamente, Caracas já manifestou por diferentes portas de diálogo reclamações sobre mensagens que fazem menção à crise e que retomam a demanda de Brasília para que o regime divulgue os dados da votação e das atas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Quando há uma semana o então trio de negociadores Brasil, Colômbia e México —este último pulou fora do barco— compartilhou nas redes seu comunicado reiterando o pedido pelas atas e descartando o plano do regime de chancelar as eleições com uma decisão favorável do Supremo venezuelano, também houve queixa.
Segundo interlocutores de Brasília, os porta-vozes do regime diziam que, diante daquele cenário, esperavam outro tratamento do Brasil em relação à Venezuela. Nas palavras desses mesmos interlocutores, há uma espécie de ansiedade do regime em relação aos passos do Brasil.
Os olhos atentos às redes sociais do governo brasileiro coincidem com um momento em que a alta cúpula chavista defende que se regulem essas mesmas redes na Venezuela. Um dos homens fortes do chavismo, o presidente do Legislativo, Jorge Rodríguez, tem afirmado que “as redes sociais são o maior perigo que existe contra a liberdade do ser humano”. Maduro tem boicotado o WhatsApp, o X e o TikTok.
As redes são atualmente uma das principais formas de organização e engajamento dos opositores diante da onda de ampla repressão nos espaços públicos.
Mas Brasília também observa sinais trocados por parte da alta cúpula do chavismo. Se por um lado parecem estar atentos a cada sinal que o Brasil dá, por outro seus líderes não se mostram comedidos ao criticar publicamente aqueles que outrora tiveram como aliados.
Depois do número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, dizer que a ideia ventilada pelo governo Lula para novas eleições para a Venezuela era “uma estupidez”, foi a vez de o próprio Maduro se pronunciar, com alguns decibéis a menos. O ditador disse que no Brasil também houve clamores de fraude e que seu país não interferiu.
“O presidente [Jair] Bolsonaro, de extrema direita, também disse que houve fraude e não aceitou a derrota. Foi o tribunal do Brasil quem decidiu. E ninguém na Venezuela, nem o nosso governo, saiu pedindo nada. Se o tribunal deu a palavra, é palavra santa. Não fazemos a diplomacia do microfone”, afirmou em transmissão da rede Telesur.
É uma comparação sem medidas equivalentes. No Brasil a validação dos resultados eleitorais é feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), independente, e depois da publicação de todos esses resultados granulados, ou seja, por localização geográfica. Algo que a Venezuela, três semanas após o pleito, ainda não o fez.
Para solucionar a crise, Maduro pediu que o Tribunal Superior de Justiça, o Supremo local, audite o pleito. A corte é dominada pelo chavismo, tem um histórico ínfimo de decisões que contrariam o regime e, em teoria, não tem nenhuma obrigação de divulgar as atas. O Brasil acompanha com lupa essa estratégia.
Ainda que o presidente Lula (PT) tenha dito à Rádio Gaúcha na sexta-feira (16) que espera a divulgação da decisão da corte, na diplomacia a explicação é que, se Maduro realmente seguir com o plano de chancelar sua contestada reeleição no Supremo, tudo se complica.
Interlocutores de Brasília dizem que esse seria mais um sinal de que o ditador está pouco ou nada disposto a dialogar e que aproximaria Caracas de um cenário como o da Nicarágua —país, aliás, com o qual o Brasil basicamente não tem mais relações a despeito de o ditador Daniel Ortega ter sido outrora um aliado nos mandatos Lula 1 e 2.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, esteve na última quinta (15) com seu homólogo colombiano, Luis Gilberto Murillo, em Bogotá. Os dois falaram sobre como colocar as duas partes, regime e oposição, para negociar, algo cada vez mais difícil.
Interlocutores dizem que a proposta de novas eleições ou a de um governo de coalizão, que foram abordadas por Lula e pelo colombiano Gustavo Petro, não estão como plano número 1 das duas diplomacias.
Reservadamente, membros da cúpula opositora representada publicamente por María Corina Machado e por Edmundo González se mostram desesperançosos com uma possibilidade de negociação.
A embaixadora do Brasil em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira, que tem comandado a reconstrução das relações bilaterais com a Venezuela após o rompimento promovido no governo Bolsonaro, tem se ausentado de eventos-chave promovidos pelo chavismo.
Ela não compareceu à proclamação de Maduro. Tampouco foi a um evento chamado na última semana no espaço do Supremo local, enviando o número 2 da embaixada. Sobre essas ausências o regime não teria manifestado incômodo ao Brasil.