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Israel está extraindo esperma de soldados mortos na guerra – 12/08/2024 – Mundo

Em Israel, um número crescente de pais enlutados está pedindo que o esperma de seus filhos mortos —muitos deles soldados— seja extraído e armazenado.

Após os ataques do Hamas em 7 de outubro, algumas regras sobre esse procedimento foram flexibilizadas, mas as famílias continuam frustradas com os longos processos legais que enfrentam para decidir como o esperma pode ser usado.

Avi Harush diz ter sentido que “algo horrível” estava prestes a acontecer alguns dias antes dos militares chegarem à sua porta.

Com a voz trêmula, ele relembra o momento em que soube que seu filho Reef, de 20 anos, havia sido morto em combate em 6 de abril de 2024, no sul da Faixa de Gaza.

Também teve que tomar uma decisão difícil.

“Disseram que Reef estava dentro do prazo que permite a extração de esperma e perguntaram se estávamos interessados”, conta.

Avi respondeu prontamente. Reef “viveu a vida ao máximo”, diz. “Apesar da terrível perda, escolhemos viver.”

“Reef adorava crianças e queria ter filhos —isso não há dúvida”, acrescenta.

Reef não tinha esposa ou namorada. Porém, quando Avi começou a compartilhar a história de seu filho, várias mulheres se ofereceram para gerar o filho de Reef. Ele diz que essa ideia “nos dá algo em que nos apegar”. “Agora é a missão da minha vida”, diz ele.

A família de Avi faz parte de um grupo crescente que optou por congelar o esperma de seus filhos após os ataques do Hamas em 7 de outubro, nos quais cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 levadas como reféns para Gaza.

Em resposta, Israel lançou uma grande operação militar em Gaza, resultando na morte de mais de 39 mil palestinos, segundo o ministério da Saúde controlado pelo Hamas. Cerca de 400 israelenses também morreram na guerra.

Desde 7 de outubro, cerca de 170 homens jovens —tanto civis quanto soldados— tiveram seu esperma extraído, segundo o ministério da Saúde israelense.

Esse número é aproximadamente 15 vezes maior do que no mesmo período em anos anteriores.

O processo envolve uma incisão no testículo e a remoção de um pequeno pedaço de tecido, do qual as células espermáticas vivas são isoladas em laboratório e congeladas.

As chances de sucesso na extração são maiores se realizada dentro de 24 horas após a morte, embora as células possam viver até 72 horas.

Em alguns países, como França, Alemanha e Suécia, o procedimento é completamente proibido; em outros, são exigidas regras rígidas sobre o consentimento explícito do falecido antes da morte, como no Brasil.

Em outubro, o ministério da Saúde de Israel dispensou a necessidade de uma ordem judicial para que os pais solicitassem o procedimento. As IDF (Forças de Defesa de Israel) têm se mostrado mais proativas ao oferecer esse serviço a pais enlutados nos últimos anos.

Embora a preservação do esperma tenha se tornado mais acessível, ela levanta questões éticas e legais complexas.

Viúvas ou pais que desejam usar o esperma na concepção de um filho precisam provar em tribunal que o falecido queria ter filhos. Esse processo pode durar anos, especialmente para pais enlutados. Rachel Cohen conta que ela e seu marido “enfrentaram muita oposição” ao tentarem ter um filho de seu falecido filho Keivan.

Os primeiros pais em Israel a preservar e usar o esperma de um filho falecido foram Rachel e Yaakov Cohen, cujo filho Keivan foi morto por um atirador palestino, segundo as IDF, em 2002 na Faixa de Gaza. Sua neta, Osher —nascida de seu esperma— agora tem 10 anos.

Rachel descreve um momento após a morte de Keivan em que sentiu sua presença: “Fui ao seu armário. Queria encontrar seu cheiro. Cheirei até seus sapatos”, diz ela.

“Ele me falou da foto dele. Pediu-me para garantir que ele tivesse filhos.” Rachel lembra que “muita gente não entendia ou não apoiava o que estávamos tentando fazer”.

Mas a persistência dela levou, finalmente, a uma decisão judicial inovadora, que permitiu que ela colocasse um anúncio em jornal procurando uma mãe para o filho de Keivan.

Irit —que não divulgou seu sobrenome para proteger a privacidade da família— foi uma das dezenas de mulheres que responderam ao anúncio.

Ela era solteira e passou por uma avaliação psicológica e social, e após a aprovação do tribunal, iniciou o tratamento de fertilidade. “Alguns dizem que estamos brincando de Deus. Eu não penso assim”, diz ela.

“Há uma diferença entre uma criança que conhece seu pai e uma concebida por doação de banco de esperma”, completa.

Osher sabe que seu pai morreu no Exército. Seu quarto é decorado com golfinhos, que ela sabe que ele amava. “Eu sei que pegaram o esperma dele e procuraram uma mãe perfeita para me trazer ao mundo”, conta ela.

Irit diz que Osher tem avós, tios e primos de ambos os lados e está sendo criada “normalmente” para garantir que ela “não seja criada para ser um monumento vivo.”

“Não a lembramos constantemente de quem era seu pai, mas ela sabe de onde veio e quem são seus pais”, diz Irit.

“Ter esperma vivo de um filho falecido tem grande significado”, afirma Itai Gat, diretor do banco de esperma do Centro Médico Shamir —que realiza pessoalmente a cirurgia para extração do esperma.

“É a última chance de preservar a opção de reprodução e fertilidade no futuro.”

Ele nota que houve uma “mudança cultural significativa” recentemente em direção à aceitação do processo, mas que as regras atuais criaram um dilema no caso de homens solteiros.

Gat diz que, para esses casos, muitas vezes não há um registro claro de consentimento. Isso coloca famílias que já estão sofrendo em uma “situação muito difícil”, em que o esperma foi preservado, mas não pode ser usado para fertilização.

“Não é como doar um coração ou um rim para salvar outra pessoa”, diz ele. “Estamos falando de reprodução, de trazer uma criança ao mundo… que sabemos que será órfã, sem pai.”

Na maioria das vezes, o morto não conheceria a mãe da criança gerada com seu esperma, acrescenta, e todas as decisões sobre a criação e futuro da criança seriam tomadas pela mãe.

Gat admite que antes era contrário à preservação de esperma sem o consentimento claro do falecido, mas mudou de opinião ao conhecer famílias enlutadas na guerra atual.

“Vejo o quanto isso é significativo para elas, como às vezes lhes traz algum conforto”, reflete ele.

Após uma batalha legal, Rachel colocou um anúncio em um jornal buscando uma mãe em potencial para um filho de Keivan.

O rabino Yuval Sherlo, uma figura proeminente no judaísmo liberal e líder do Centro Tzohar de Ética Judaica, em Tel Aviv, considera a questão complexa e sensível.

“Eticamente, procuramos evitar que um homem se torne pai sem seu consentimento, mesmo após a morte”, diz.

Ele aponta que a questão envolve dois princípios importantes da lei judaica —a continuidade da linhagem de um homem e o sepultamento do corpo inteiro.

Alguns rabinos acreditam que a continuidade da linhagem é tão essencial que justifica a violação do tecido corporal, enquanto outros argumentam que o procedimento não deve ocorrer em nenhuma circunstância por ser exatamente uma violação da integridade do corpo.

O alto número de mortos israelenses nos ataques de 7 de outubro e na guerra subsequente trouxe urgência à questão da extração de esperma para os legisladores.

As regras atuais são baseadas em diretrizes publicadas pelo Procurador-Geral em 2003, mas ainda não foram formalizadas em lei. Legisladores israelenses têm tentado criar uma legislação mais clara e abrangente, mas os esforços foram interrompidos.

Fontes próximas ao processo disseram à BBC que houve desacordo sobre o nível de consentimento explícito exigido do morto e se a criança teria direito aos benefícios normalmente concedidos aos filhos de soldados mortos em serviço.

A imprensa israelense também noticiou divergências sobre o que deveria acontecer se a viúva de um soldado não quisesse usar o esperma para ter um bebê, com alguns sugerindo que os pais do soldado deveriam ter o controle do esperma e escolher outra mulher para conceber.

Aqueles que já preservaram o esperma de seus filhos temem que, se for aprovada, a legislação tratará apenas de questões futuras de consentimento e não os isentará de enfrentar longas batalhas judiciais.

Para Avi, há uma determinação em meio ao luto. Ele mostra uma caixa de papelão, repleta de diários, álbuns e lembranças de seu filho. E afirma que não descansará até conseguir dar um filho a Reef: “Isso vai acontecer… e os filhos dele receberão esta caixa.”

Esta reportagem foi originalmente publicada aqui.

Fonte: Folha de São Paulo

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