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EUA: Nixon renunciava há 50 anos por falta de apoio – 08/08/2024 – Mundo

Há 50 anos, Richard Nixon declarou que renunciaria à Presidência. Foi o desfecho de dois anos turbulentos, resumidos por uma palavra que se tornou sinônimo de escândalo dentro e fora dos Estados Unidos: Watergate.

Era a noite do dia 8 de agosto de 1974 quando o republicano fez um pronunciamento à nação do Salão Oval, afirmando que entregaria o posto no dia seguinte. Seu vice, Gerald Ford, tomaria posse logo depois.

O então presidente, no entanto, não fez uma admissão de culpa. A razão declarada por ele para renunciar foi outra, improvável no cenário atual polarizado da política americana: a perda de apoio de sua base no Congresso.

“Enquanto houve essa base, senti fortemente que era necessário ver o processo constitucional até sua conclusão”, disse, em referência a um processo de impeachment. “A partir das discussões que tive com líderes do Congresso e outras lideranças, concluí que, devido ao caso Watergate, eu poderia não ter o apoio do Congresso que considero necessário para respaldar as decisões muito difíceis e cumprir os deveres deste cargo da maneira que os interesses da nação exigem.”

Na véspera, Nixon havia se encontrado com os senadores Hugh Scott e Barry Goldwater, e com o deputado John Rhodes. Os republicanos fizeram um alerta ao presidente: se o processo de impeachment fosse à votação, após ser recomendado por um comitê da Câmara no final de julho, muitos membros do seu próprio partido se juntariam aos democratas para removê-lo do cargo.

A situação é muito diferente da encarada pelo presidente seguinte a enfrentar uma ameaça de impeachment: Bill Clinton. Embora tenha sido derrotado na Câmara, o democrata pôde contar com o apoio de sua base no Senado para barrar o avanço do processo, em meio ao escândalo envolvendo Monica Lewinsky.

O mesmo ocorreu com Donald Trump não uma, mas duas vezes. O primeiro processo de impeachment sofrido pelo empresário foi em 2019, associado à pressão exercida sobre a Ucrânia para ajudá-lo contra Joe Biden, e o segundo em 2021, após o 6 de Janeiro. Em ambos, ele foi salvo pelo Senado.

“Após Nixon, presidentes carimbados com impeachment —Bill Clinton e Donald Trump— não sentiram a necessidade de renunciar”, escreve Michael Gerhardt, professor de direito Constitucional da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e autor do livro “A Legislação sobre Impeachment Presidencial”.

“Cada um deles teve a certeza de que poderia contar com o apoio dentro de seu partido, como também de que os senadores de seus respectivos partidos não os condenariam e, assim, garantiriam sua absolvição após seus julgamentos.”

Biden não chegou a sofrer um impeachment, mas o processo para dar início a ele, embasado em supostas ligações com negócios de seu filho Hunter a empresas estrangeiras, foi aberto na Câmara no ano passado. A certeza de que o Senado, dominado por democratas, barraria sua remoção tornou a ameaça mais um desgaste político do que uma preocupação real de sobrevivência no cargo.

A instrumentalização do impeachment pelos partidos nas últimas décadas é uma das raras constatações consensuais entre as duas pontas do espectro político americano.

“Esse processo bipartidário [no caso de Nixon] era sobre violações graves da lei, não sobre diferenças de políticas entre o presidente e os membros do Congresso”, escrevem, por exemplo, Thomas Jipping e Hans von Spakovsky, da Fundação Heritage, o think tank conservador por trás do Projeto 2025.

“Nos últimos 50 anos, aprendemos que o impeachment não deve ser usado como uma arma política para resolver disputas partidárias, retaliar discursos ou tuítes de um presidente, ou para interromper os resultados de uma eleição com os quais o partido político perdedor está insatisfeito”, prosseguem.

A origem do escândalo que derrubou Nixon foi a invasão da sede do Comitê Nacional Democrata no complexo de Watergate, em Washington, por cinco homens, em junho de 1972, em meio à disputa do então presidente pela reeleição contra George McGovern.

O incidente foi minimizado pela Casa Branca inicialmente como um crime qualquer, mas, em outubro, os jornalistas do Washington Post Carl Bernstein e Bob Woodward publicaram uma reportagem ligando a invasão a Nixon, segundo uma fonte do FBI. Conhecida como “garganta profunda”, sua identidade foi revelada décadas depois, em 2005, como o diretor associado da polícia federal americana Mark Felt.

Ainda assim, o republicano foi reeleito em novembro daquele ano com folga, mas o escândalo ganhou mais força ao longo de seu mandato. Após perder uma batalha legal em que se recusava a entregar gravações de conversas com assessores, Nixon viu que sua continuidade na Presidência se tornou insustentável. Uma das fitas mostrava justamente que ele estava ciente do plano de acobertamento da invasão.

A Suprema Corte teve um papel central para isso. Foi uma decisão unânime dos juízes que obrigou o republicano, finalmente, a entregar o material.

“Nem a doutrina da separação de poderes, nem a necessidade generalizada de confidencialidade das comunicações de alto nível, sem mais, podem sustentar um privilégio presidencial absoluto e irrestrito de imunidade contra o processo judicial em todas as circunstâncias”, escreveu o juiz Warren E. Burger, afirmando que um presidente não está acima da lei.

O caso foi relembrado no último mês, após a Suprema Corte decidir que presidentes têm imunidade parcial de persecução penal, em uma decisão que beneficiou Donald Trump.

Neil Eggleston, professor da faculdade de direito de Harvard, avalia que as duas decisões não estão tecnicamente em choque, mas expressam duas visões discrepantes sobre a Presidência.

“O caso Nixon deixou claro que a noção de que as comunicações do presidente são absolutamente privilegiadas e não podem ser revisadas por um tribunal”, disse em entrevista ao Harvard Law Today. “Mas, no caso da imunidade de Trump, a Corte teve uma visão oposta, essencialmente determinando que as leis criminais não se aplicam ao presidente, desde que envolvam conduta oficial.”

Fonte: Folha de São Paulo

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