Nas últimas semanas, a advogada María Oropeza usou mais de uma vez suas redes sociais para denunciar a perseguição contra opositores da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Na noite de terça-feira (6), ela novamente pegou o celular com esse mesmo objetivo —desta vez, porém, ela transmitiria a sua própria prisão.
A transmissão ao vivo pela sua conta no Instagram mostra agentes da DGCIM (Direção de Contrainteligência Militar) entrando na casa onde ela estava após quebrarem o portão. O vídeo viralizou e fez sua prisão se destacar entre as muitas que estão ocorrendo no país desde que Maduro foi declarado reeleito em uma apuração contestada.
“Estão entrando na minha casa de maneira arbitrária, não há nenhuma ordem de busca. Estão destruindo a porta. Eu realmente peço ajuda, peço socorro a todos que puderem. Eu não sou uma criminosa”, afirma Oropeza na gravação enquanto sobem comentários de solidariedade e emojis na tela. Em seguida, uma das funcionárias do regime pede o telefone e a transmissão é interrompida.
Oropeza é coordenadora regional do Vente Venezuela —legenda da principal opositora de Maduro atualmente, María Corina Machado— e da campanha de Edmundo González, diplomata que entrou no lugar da favorita, inabilitada pelo regime, na corrida pelo Palácio Miraflores. Em ambos os cargos, sua atuação se restringe ao estado de Portuguesa, bastião do chavismo onde o regime acumula vitórias desde 2000, um ano após Hugo Chávez chegar ao poder.
María Corina comentou a prisão da colaboradora nas redes sociais —uma jovem corajosa, inteligente e generosa, em suas palavras. “O regime acabou de levá-la à força e não sabemos onde ela está. Foi sequestrada”, afirmou. “Peço a todos, dentro e fora da Venezuela, que exijam sua liberdade imediata.”
Oropeza tem 30 anos e nasceu em Guanare, capital de Portuguesa, onde estava quando foi detida. Formada em direito, ela trabalha com María Corina desde a adolescência, quando o atual rosto da oposição venezuelana não tinha tanto destaque.
Declarações da advogada à imprensa local ao longo dos últimos anos mostram que ela segue a cartilha da líder, uma liberal representante da ala mais à direita da oposição.
Há quase dois anos ela é membro do Lola (Ladies of Liberty Alliance), segundo Adriana Flores Márquez, também integrante do grupo de direita e coordenadora da campanha do Vente Venezuela na Argentina, onde após sair da Venezuela.
Márquez conta que, como parte de suas atividades no grupo, Oropeza chegou a fazer eventos para falar sobre “a importância do capitalismo para as mulheres” em algumas comunidades em Portuguesa. “No momento de falar sobre esses temas para mulheres de setores muito pobres, explicamos que o capitalismo te ajuda a ter comida na mesa, a ter um emprego e ganhar seu dinheiro para comprar suas coisas, para comprar as coisas de seus filhos”, afirma ela.
Em entrevista ao programa En La Palestra, do jornalista Daniel España, em 2016, Oropeza fez duras críticas aos programas de assistência social do regime que tiraram milhões de venezuelanos da pobreza —uma marca do chavismo que rendeu popularidade a seus líderes por anos.
“O sistema político socialista que o governo implantou na Venezuela é inviável, em primeiro lugar, porque crê na distribuição da riqueza. Segundo, porque crê na igualdade social”, afirma ela. “Para nós, a riqueza não se distribui. É uma loucura que se distribua a riqueza, a riqueza se cria. Não me interessa que […] me deem algum benefício. Ensine-me a ser rico, é isso que quero.”
Então dirigente da juventude do Vente Venezuela, Oropeza criticou a falta de oportunidades que levou a um êxodo da Venezuela. A saída para pessoas sem escolaridade que poderiam ser afetadas com o corte de programas sociais, segundo ela, seria um trabalho.
“Se você quer tirar alguém da pobreza, busque um emprego para ela. Que ela trabalhe, aprenda a se superar por si mesma. Se você a mantém com uma bolsa de 500 bolívares por mês, essa pessoa vai pensar que não pode ter mais do que isso”, afirma ela. “Se falamos dos grandes empresários […] são pessoas que vinham da pobreza e simplesmente tiveram uma ideia e a fizeram realidade.”
Oito anos depois, em uma entrevista à Portuguesa Televisión dias antes das eleições, é possível ver que a advogada calibrou o seu discurso.
Na ocasião, ela falou que o projeto da oposição incluía a manutenção de alguns programas sociais até que o país fosse reestruturado. “Vamos reformar, revisar, reestruturar. Há [alguns programas] que definitivamente não são necessários. Quando você tem um trabalho digno e pagam o que você merece, para que precisa de uma bolsa de 120 bolívares?”, afirmou.
Nesse período, a permanência da crise econômica acabou abrindo a sociedade venezuelana a mudanças, o que possibilitou a vitória de Machado nas primárias de outubro do ano passado e a exitosa transferência de sua popularidade a González, até então um desconhecido para os eleitores.
Horas antes de ser detida, Oropeza havia criticado a Operação Tun Tun, como foi chamada a ofensiva pós-eleições lançada pelo DGCIM, órgão que a prendeu. O nome remonta a 2017, quando o regime também se esforçava para reprimir os protestos que sucederam as eleições legislativas de 2015.
No último sábado (3), o diretor do CICPC (Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas da Venezuela), Douglas Rico, orientou as pessoas a denunciarem caso tenham sido vítimas de “campanha de ódio física ou virtual”. Para isso, é preciso informar dados do acusado e evidências da suposta agressão.
“O que estamos enfrentando é uma caça às bruxas por parte de um regime que perdeu as eleições presidenciais”, afirmou Oropeza em suas redes sociais ao comentar a operação.