O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta segunda-feira (5), ao lado de seu homólogo do Chile, Gabriel Boric, que ser diferente é extraordinário.
A fala ocorreu após divergências entre os dois presidentes sobre a crise na Venezuela. A declaração foi feita à imprensa em Santiago no Palácio de La Moneda, após reunião entre os chefes de Estado e representantes dos dois governos.
Lula ainda falou a Boric sobre a iniciativa com Colômbia e México de buscar uma solução diplomática para o impasse no pleito venezuelano. Disse também que seu compromisso é com a paz. A fala, em tom institucional, foi no discurso oficial do mandatário.
O tom do brasileiro é distinto do adotado na semana passada, quando disse não ver ‘nada de anormal’ na eleição contestada e marcada pela falta de transparência.
“Cada país tem a sua cultura, cada país tem seus interesses, suas nuances políticas. A gente não pode querer que todo mundo fale a mesma coisa, pense a mesma coisa, nós não somos iguais. Nós somos diferentes e isso é extraordinário porque a diferença permite que a gente procure encontrar nossas similaridades, as coisas que nos ajudam”, disse Lula, sem mencionar diretamente a crise na Venezuela.
A fala sobre países não serem iguais ocorreu ao final de seu pronunciamento, quando já não lia mais o discurso. Antes, Lula falou diretamente sobre a Venezuela.
“Expus as iniciativas que tenho empreendido com os presidentes Gustavo Petro e López Obrador em relação ao processo político na Venezuela. O respeito pela tolerância, o respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados”, disse.
“O compromisso com a paz é que nos leva a conclamar as partes aos diálogos e promover o entendimento entre governo e oposição”, completou.
Esta foi a primeira menção do próprio presidente sobre a crise venezuelana, após a declaração da semana passada, em que minimizou a crise.
Os dois presidentes evitaram falar sobre o tema na declaração à imprensa. Boric disse saber que há muitas questões, mas que hoje ele só falaria de Brasil e Chile. No seu discurso, não fez qualquer menção à Venezuela.
Boric destacou parcerias comerciais e em outros setores. Ele falou que os dois presidentes se comprometeram em inaugurar ainda em seus mandatos o corredor bioceânico, que ligará Mato Grosso do Sul aos portos chilenos.
Lula chegou na noite de domingo ao país, para uma visita de estado. O encontro, que tem como objetivo ampliar parcerias comerciais e firmar acordos bilaterais, ocorre em meio ao aumento de tensão na Venezuela e divergências entre Chile e Brasil, a respeito do tema.
Antes de declaração conjunta a jornalistas, o presidente foi recebido com oferenda floral no Monumento al Libertador Bernardo O’Higgins. Ao ser anunciado, houve registros de vaias e de aplausos de pessoas próximas ao palácio — o local fica numa zona turística da capital chilena.
Depois, já no La Moneda, ele visitou o antigo gabinete do ex-presidente Salvador Allende, um local preservado e histórico. Em seguida, ocorreu reunião bilateral entre os chefes de estado e uma ampliada, com a delegação brasileira e governo chileno. Quatorze ministros acompanham Lula na viagem.
Foram assinados mais de 20 instrumentos, dentre acordos bilaterais a memorandos de entendimento sobre: turismo; comércio e investimentos; defesa; temas consulares; segurança e justiça; igualdade de gênero; ciência tecnologia e inovação; igualdade de gênero; governo digital; saúde; recursos hídricos e direitos humanos.
A ex-presidente chilena Michelle Bachelet falou com jornalistas ao chegar no palácio, onde participou da reunião ampliada e, depois, do almoço oferecido à delegação brasileira. Ela disse que Venezuela seria um tema de conversa entre os dois chefes de estado. “Espero que possa haver uma solução a curto prazo”, disse.
Bachelet afirmou ainda lamentar a expulsão do embaixador chileno de Caracas, e compactuar com o posicionamento de Boric a respeito do tema.
“Creio que o importante é que o governo siga na mesma logica de assegurar que, tomara, na Venezuela possamos ter os resultados verdadeiros”, disse, indicando discordar do resultado da eleição anunciado pelo regime de Maduro.
O Itamaraty e o Planalto buscam não ofuscar a agenda positiva com a controvérsia do momento. Mas, como disse um auxiliar de Lula antes da visita, a Venezuela é um elefante na sala e será tratado na reunião bilateral entre os presidentes.
Na eleição no último dia 28, o órgão eleitoral da Venezuela declarou Nicolás Maduro como vencedor, mas a oposição acusa o regime de fraude e se diz ganhadora do pleito e uma contagem paralela dos votos. Chile e Brasil tiveram reações diferentes.
Boric, já no dia seguinte, disse que os resultados eram “difíceis de acreditar”, aproximando-se de países mais à direita na região, como a Argentina, que de pronto puseram o processo eleitoral sob suspeição. Depois, teve seus diplomatas expulsos do país e jornalistas presos em Caracas, ampliando a pressão para que reconhecesse a vitória do opositor Edmundo González.
Já o governo brasileiro tem procurado uma solução diplomática com outros países governados pela esquerda na região, caso de Colômbia e México. A postura é de não reconhecer a reeleição de Maduro, mas tampouco declarar a vitória do opositor Edmundo González, e pedir uma verificação imparcial dos resultados da eleição, com a apresentação das atas de votação.
Quando rompeu o silêncio sobre a disputa envolvendo o aliado antigo, na terça-feira (30), Lula disse não ver “nada de anormal” em relação à situação venezuelana.
Na manhã desta segunda-feira (5), antes de seguir para o La Moneda, Lula recebeu um telefonema do presidente francês, Emmanuel Macron, elogiando a nota elaborada com Colômbia e México sobre a Venezuela, segundo o Palácio do Planalto.
“Macron elogiou a posição de Brasil, Colômbia e México emitida em nota conjunta na última quinta-feira, e a posição do país de estímulo ao diálogo entre o governo e a oposição venezuelana. O presidente Lula reiterou seu compromisso com a busca de uma solução pacífica entre as partes e que respeite a soberania do povo venezuelano”, disse o Planalto.
Esta é a primeira vez que Lula volta ao Chile como presidente em 20 anos. Já Boric esteve duas vezes em Brasília, ambas no ano passado: para a posse presidencial em janeiro e, depois, em maio, para a reunião de presidentes da América do Sul.
A segunda ocasião também foi marcada pela divergência em torno da Guerra da Ucrânia. O chileno criticou autoridades latino-americanas que não concordaram com a inclusão de uma menção à Rússia no comunicado final. Lula reagiu e o chamou de “sequioso e apressado”.