A projeção independente que deu vitória à oposição por 66,7% a 33,7% nas eleições presidenciais da Venezuela, relatada pela Folha no dia seguinte ao pleito, é mais confiável do que uma pesquisa de boca de urna ou um levantamento de intenções de voto, diz Raphael Nishimura, do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan.
Nishimura, estatístico brasileiro que participou do estudo, explica que, ao contrário de levantamentos nos quais entrevistados podem mudar de ideia mais tarde ou mentir, a projeção nesse caso se baseou em dados oficiais de atas de urnas eletrônicas na Venezuela.
Essas atas, cerca de 3% do total, foram coletadas por voluntários de uma ONG venezuelana que se identifica como opositora da ditadura e cujo nome não é divulgado publicamente por temor de retaliação do regime. Com esses dados em mãos, os pesquisadores conseguiram projetar uma vitória do ex-diplomata Edmundo González sobre Nicolás Maduro.
“Eles [a ONG venezuelana] estavam procurando uma avaliação independente e técnica dos métodos que eles estavam propondo e também uma ajuda em calcular, por exemplo, as margens de erro das estimativas”, disse Nishimura para explicar como entrou em contato com o projeto.
Ele defende a qualidade dos dados em relação a pesquisas de intenção de voto tradicionais. “Nesses casos, normalmente há uma amostra de pessoas e são feitas projeções com base nessa mostra. [O estudo sobre a Venezuela] não é muito diferente, é até mais fácil, porque os dados são dados oficiais, livres de qualquer tipo de problema.”
Essas atas eleitorais estão no centro da controvérsia sobre os resultados do pleito presidencial na Venezuela —o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), órgão responsável pelas eleições e controlado pelo chavismo, declarou Maduro vencedor com 51% dos votos contra 44% de González, mas ainda não apresentou os documentos que comprovariam esses números.
Países como o Brasil, a Colômbia, o México e os Estados Unidos pressionam Maduro para que haja essa divulgação.
A oposição diz ter em seu poder até esta quinta-feira (1º) 80% das atas, cujo conteúdo comprovaria a vitória de González com 67% dos votos —um número muito parecido ao do resultado do levantamento conduzido por Nishimura. Ainda não há uma avaliação independente que comprove a veracidade dos documentos apresentados pela coalizão liderada pela líder María Corina Machado.
Além de Nishimiura, também coordenou o projeto o professor associado de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Dalson Figueiredo. A maior incerteza da pesquisa tem origem no fato de que se trata de uma amostragem: os pesquisadores só tiveram acesso a 994 das 30 mil mesas de votação, cerca de 3% do total.
Ainda assim, dizem que é um número robusto o bastante para projetar os resultados finais, uma vez que foram escolhidos locais de votação tanto em áreas que costumam apoiar mais o chavismo quando em outros onde a oposição é mais forte.
De acordo com o jornal americano The New York Times, que replicou os resultados do estudo, essas mesas de votação refletiram o resultado geral das eleições de 2015, 2018 e 2021 com dois pontos percentuais de diferença ou menos —até esse ano, quando os resultados aferidos divergem mais de 20 pontos percentuais daqueles apresentados pelo regime, um forte indício de que eles estão incorretos.
Nishimura diz que já tinha experiência como consultor de estatística em projetos internacionais, mas que nunca tinha trabalhado com uma tabulação paralela de votos. Seu papel se resumiu, no entanto, a fazer uma avaliação técnica independente dos métodos que estavam sendo utilizados e ajudar a calcular a margem de erro das estimativas produzidas.