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O estranho declínio da pax americana – 16/10/2023 – Paul Krugman

Quando o Hamas atacou Israel, os republicanos sabiam a quem culpar —o presidente Joe Biden. Donald Trump afirmou que o ataque não teria acontecido se ele ainda estivesse na Casa Branca; Mike Pence, enquanto condenava Trump por elogiar o Hezbollah e o Hamas, afirmou que Biden estava de alguma forma colocando em perigo os interesses dos Estados Unidos ao “projetar fraqueza”.

Como grande parte do que a direita americana diz nos dias de hoje, essas difamações foram tanto vis quanto infantis. Não, o presidente dos EUA não é como o Lanterna Verde, capaz de moldar os eventos mundiais apenas pela força de vontade. E Biden, de fato, adotou posições surpreendentemente duras em assuntos internacionais, muito mais do que seu antecessor.

De forma mais geral, é impressionante como tanto a extrema esquerda, que não tem influência significativa no Partido Democrata, quanto a extrema direita, que em grande parte comanda o Partido Republicano, são solipsistas americanos. Eles culpam os líderes dos EUA por tudo de ruim que acontece no mundo, negando aos estrangeiros qualquer agência.

Dito isso, até mesmo estudiosos sérios de assuntos internacionais estão observando que o mundo parece estar se tornando mais perigoso, com muitas guerras frias locais se tornando quentes, e sugerindo que podemos estar testemunhando o fim da “pax americana”, a longa era em que a dominância econômica e militar dos EUA limitou o potencial de guerras de conquista.

Mas por que a pax americana está em declínio?

Você pode ser tentado a se envolver no determinismo econômico, dizendo que os Estados Unidos perderam influência porque não dominam a economia mundial como costumavam fazer. Mas, embora tenha havido um grande declínio na participação dos Estados Unidos no PIB mundial entre 1960 e 1980, desde então essa participação não teve uma tendência clara de queda, embora tenha flutuado com o valor cambial do dólar.

De fato, nossa forte recuperação da recessão da Covid, combinada com os tropeços de alguns rivais geopolíticos, faz com que a dominância econômica dos EUA pareça mais durável do que há muito tempo. Notavelmente, muitos observadores estão agora sugerindo que o PIB da China, medido em dólares, pode nunca ultrapassar o dos Estados Unidos —a economia da China já é maior em termos de poder de compra doméstico, mas isso é menos relevante para a influência global.

Ah, e apesar de toda a publicidade sobre a desdolarização, o dólar dos EUA parece, se algo, estar mais central para a economia mundial do que nunca.

Além disso, as mudanças na economia mundial deram aos Estados Unidos novas formas de exercer poder econômico.

Os especialistas em relações internacionais Henry Farrell e Abraham Newman publicaram recentemente “Underground Empire: How America Weaponized the World Economy” [Império Subterrâneo: Como a América armou a economia mundial], um livro revelador que descreve como a globalização moderna —que cria formas muito mais complexas de interdependência do que o comércio internacional tradicional— colocou os Estados Unidos “no centro de uma rede internacional de vigilância e controle”.

E o governo Biden não tem sido nada tímido em usar o poder dos EUA. A ajuda à Ucrânia, embora relativamente pequena em relação ao orçamento dos EUA, tem sido um fator importante na frustração da agressão russa; os EUA também implantaram agressivamente seu poder financeiro e tecnológico para impor sanções ao regime de Putin.

Na crise mais recente, os israelenses, incluindo Binyamin Netanyahu, elogiaram Biden por seu apoio rápido, o que provavelmente explica por que Trump atacou um ex-aliado político.

Além disso, Biden adotou uma postura surpreendentemente dura em relação à tecnologia chinesa. Enquanto Trump resmungava e bufava ineficazmente contra os superávits comerciais chineses (que nunca foram o problema), Biden impôs sanções que o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais chama de “política de estrangulamento ativo de grandes segmentos da indústria de tecnologia chinesa —estrangulamento com a intenção de matar”.

Se isso é “projetar fraqueza”, como seria projetar força?

No entanto, parece seguro dizer que o mundo não confia mais nas promessas dos EUA e talvez não tema mais as ameaças dos EUA como costumava fazer. O problema, no entanto, não é Biden; é o partido que o ataca reflexivamente por qualquer coisa que dê errado.

No momento, os EUA são uma superpotência sem um governo totalmente funcional. Especificamente, a Câmara não tem um presidente, então não pode aprovar legislação, incluindo projetos de lei que financiam o governo e fornecem ajuda aos aliados dos EUA.

A Câmara está paralisada porque extremistas republicanos, que se recusaram a reconhecer a legitimidade de Biden e promoveram o caos em vez de participar do governo, aplicaram essas táticas em seu próprio partido. Neste ponto, é difícil ver como alguém pode se tornar presidente sem os votos democratas —mas até mesmo republicanos menos extremistas se recusam a cooperar.

E mesmo que os republicanos de alguma forma consigam eleger um presidente, parece muito provável que quem conseguir o cargo terá que prometer à extrema direita que trairá a Ucrânia. Dada essa realidade política, até que ponto qualquer nação pode confiar nas garantias de apoio dos Estados Unidos? Como podemos esperar que os inimigos estrangeiros da democracia temam os EUA quando sabem que existem forças poderosas aqui que compartilham seu desprezo?

Sim, a pax americana está em declínio. Mas o problema não é a falta de firmeza no topo. É o inimigo interno.


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Fonte: Folha de São Paulo

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