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China molda rumos da Palestina pós guerra Israel-Hamas – 26/07/2024 – Igor Patrick

Quando a guerra entre Israel e o Hamas começou, alguns devem se lembrar do que eu escrevi aqui. “O conflito em Gaza deixa escancarados os limites da tal nova ordem proposta pela China,” menciono no texto de outubro do ano passado. “Seus méritos teóricos ainda existem, mas faltam corpo, maturidade e experiência para responder a conflitos bélicos.”

Eu fazia referência à Iniciativa de Segurança Global, uma estratégia meio mambembe proposta por Xi Jinping como substituta à ordem mundial criada pelos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra.

Achava à época —e continuo achando— que a relativa inexperiência chinesa em mediar grandes conflitos militares, somada à aversão a riscos ao seu capital diplomático, desqualificariam Pequim no papel de mediação pelo fim da guerra. Talvez tenha me faltado mais criatividade na análise porque a verdade é que eu só estava parcialmente correto.

Além dos mantras pela “defesa de dois Estados”, “respeito às fronteiras pré-1967” e chamados ao cessar-fogo, a China de fato pouco ou nada fez para lidar com a brutal guerra no Oriente Médio nos meses subsequentes. Pode parecer cínico atestar, mas para Xi e companhia, interessava mais ver Washington paralisada e incapaz de interromper a sanha militarista e genocida de Binyamin Netanyahu.

Isso mudou na semana passada, com o recebimento de 12 facções palestinas para uma reunião de alto nível na capital chinesa que culminou com a assinatura da “Declaração de Pequim sobre o Fim da Divisão e o Fortalecimento da Unidade Nacional Palestina“.

A despeito da descrença (e até certo desprezo) da mídia e da comunidade de analistas de segurança ocidentais, a diplomacia chinesa conseguiu o que se tenta há quase duas décadas: um compromisso pela formação de um governo de unidade nacional capaz de administrar tanto Gaza quanto a Cisjordânia.

Fatah, a ala moderada (e ungida pelos EUA) do movimento palestino, e Hamas, com seus métodos de guerrilha e terrorismo, estão formalmente rompidos desde as eleições legislativas da Palestina em 2006.

Desde então os terroristas dominaram Gaza, enquanto o Fatah se recusa a realizar novas eleições na Cisjordânia por temer a vitória quase certa do extremismo. Seu líder, Mahmoud Abbas, arrasta-se no cargo desde 2009 de forma interina e sem quase nenhum respaldo popular.

Embora as duas principais facções palestinas mantenham contatos informais, fazê-las endossar um documento em defesa de um governo de unidade demandaria um grande esforço.

Trata-se, portanto, de uma vitória para a diplomacia chinesa, que mostrou um caminho alternativo. A China talvez não seja mesmo capaz (ou não esteja interessada) em mediar o fim da guerra com Israel, mas demonstra sensibilidade e influência o suficientes para ajudar a moldar os rumos da Palestina após o conflito.

Tanto Tel Aviv quanto Washington já disseram que não aceitarão um governo de unidade nacional que inclua os terroristas do Hamas. É uma posição moralmente válida, mas irrealista —pesquisas de opinião mostram que o grupo venceria eleições tanto em Gaza quanto na Cisjordânia hoje.

Não há opção viável num futuro próximo que não envolva um processo político de desradicalização do Hamas, talvez semelhante ao que a Colômbia negociou com as Farc.

Enquanto insistirem nesta posição, os Estados Unidos não serão capazes de encontrar uma solução para o que fazer com a Palestina depois que Israel cessar os ataques. Os israelenses tampouco conseguirão ocupar militarmente Gaza sem consideráveis perdas humanas e financeiras.

A declaração obtida por Pequim pode não valer nada, como dizem alguns mais pessimistas —mas pode também ser o único caminho possível após a barbárie.


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Fonte: Folha de São Paulo

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