Onde até há alguns anos existia uma grande fábrica da General Motors agora há mato. E onde há uma década funcionava um dos principais centros comerciais do país, ponto de encontro para famílias locais e turistas nos finais de semana, vê-se o abandono. Esta é Valencia, o antigo coração industrial da Venezuela.
A duas horas de Caracas pela Regional del Centro, principal rodovia do país, a cidade de 880 mil habitantes, no estado de Carabobo, expressa sequelas da bancarrota econômica vistas em menor escala na capital. A viagem de carro atravessa regiões que foram berço do Tren de Aragua, a maior gangue venezuelana, que se espalhou pela América do Sul.
Valencia reunia 39 parques industriais, que correspondiam a 40% desse setor na Venezuela. Mas isso é passado. Boa parte dessas estruturas hoje está abandonada depois da debandada das fábricas, especialmente após o colapso econômico da segunda metade dos anos 2010.
Um segmento com queda impressionante é o automobilístico. O número de carros montados no país passou de 172 mil no ápice da era chavista, em 2007, para 61 unidades no ano passado. Há dificuldade de importar peças, e a crise geral derrubou a demanda.
As concessionárias ainda estão abertas, mas seu interior é quase distópico. Em uma loja da Chrysler, são apenas dois carros luzindo à venda no grande pátio branco. A fabricante deixou o país em 2018 e agora recebe poucos importados dos Estados Unidos e do Brasil.
Quem quer comprar —e a procura é cada vez menor devido ao pouco poder de compra— tem de encomendar para receber seu carro novo dali a dois ou três meses, no mínimo.
Antes da Chrysler, foi embora a GM, que já sofria com a falta de matéria-prima e interrompeu as operações após acusar Caracas de sequestrar seus ativos judicialmente. O que resta da enorme unidade são as emblemáticas chaminés desativadas, o mato por cortar e um único segurança que ainda cuida do local para evitar invasões.
Não muito longe do parque fabril fica o Big Low Center, conhecido por sua estrutura de centros que imita vários castelos com torres. Os donos das poucas lojas que sobrevivem passam mais tempo sentados no banco da varanda que em operação.
No auge da região, várias empresas de transporte de carga operavam na vizinhança. Há cerca de dez anos, o agravamento da crise econômica levou essas empresas para a Colômbia.
O Big Low que era um sinônimo de lazer para muitos venezuelanos por gerações hoje parece um parque de diversões abandonado.
As marcas da derrocada podem ser vistas antes de se chegar a Valencia. Um dos elefantes brancos do país é o que deveria ser, desde 2012, uma linha de trem conectando essa cidade a Puerto Cabello, base naval em Carabobo. A obra era prometida por Hugo Chávez (1954-2013) e foi herdada pelo ditador Nicolás Maduro.
As estruturas em ruínas agora servem para pichações e murais, a maioria em homenagem ao mesmo regime que nunca as concluiu.
Nos trajetos, não é nada difícil encontrar enormes filas de carros e caminhões em postos. Subsidiado, o combustível é amplamente dolarizado no país. Atualmente, o preço do litro da gasolina gira em torno de US$ 0,50 (R$ 2,70). Apesar de alguns reajustes nos últimos anos, o venezuelano ainda paga pouco pelo combustível em comparação com outros países (o valor médio do litro no Brasil está em R$ 5,97), e a questão é considerada sensível pelo regime.
Paira a eterna sombra do Caracazo, a onda de protestos que em 1989 tomou as ruas após um aumento da gasolina que elevou as tarifas de transporte. O episódio marcante reafirma a convicção venezuelana de que, se o país tem as maiores reservas de petróleo do mundo, o combustível deveria sair “quase de graça” para os locais.
Assim como o faz para justificar a decadência industrial, a ditadura atribui a dificuldade de garantir o fornecimento de combustível não à queda da produção da estatal PDVSA, mas às sanções. Multiplicam-se nas ruas os cartazes que culpam a oposição pelas sanções, apontadas como responsáveis por dificultar o comércio de gasolina.
Esses outdoors, aliás, são os únicos com referência a adversários do regime. Caracas é dominada por imagens de Maduro, hoje inclusive mais presentes do que os famosos olhos de Chávez pintados em vários locais públicos. A oposição diz que sua campanha não tem verba para colar cartazes. Também crê que o regime os arrancaria. Em Valencia, uma rara manifestação contra o regime pode ser vista em uma pichação num comércio: “Em ditador eu não voto. Isto é ditadura.”
“A Venezuela é hoje uma economia nanica”, diz à reportagem José Manuel Puente, professor do Iesa (Instituto de Estudos Superiores de Administração). “De 2014 a 2020, perdeu 73% do seu PIB, ou seja, de sua massa muscular. É a maior contração que qualquer economia do mundo viveu nos últimos 40 ou 50 anos.”
Para alguns economistas independentes, as sanções agravaram o cenário, mas começaram depois de a debacle já estar anunciada.
Neste ano alguns indicadores, ao menos nas cifras oficiais do Banco Central da Venezuela, melhoraram. A inflação de julho teria ficado em 1%. A população ainda não sente no bolso a diferença.
Puente vê um relativo alívio gerado pelas remessas de dólares que os mais de 7,7 milhões de migrantes e refugiados venezuelanos enviam a seus familiares. Não há dados oficiais, mas estima-se que o montante seja de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões ao ano. “É uma ajuda importante, sobretudo para um idoso que ganha como pensão US$ 3,50 (R$ 20) mensais ou para o funcionário público que recebe um salário mínimo em bolívares (o equivalente a US$ 130, ou R$ 735).”
Com a volta às prateleiras de produtos importados, após a crise de abastecimento de 2017-2018, esse dinheiro ajuda a reativar o varejo.
A poucos dias da eleição que pode pôr fim a 25 anos de chavismo, os planos econômicos de Maduro e de seu principal rival, o diplomata Edmundo González, são vagos.
O ditador ecoa críticas às sanções e afirma, sem explicar como, que vai modernizar a economia. Já Edmundo González nega o plano de fazer privatizações em massa, dizendo que pretende tornar a administração das estatais “algo saudável”.
No entanto, no plano de governo de María Corina Machado —líder de fato da oposição que, inabilitada, convidou González a assumir o posto—, há uma proposta clara de “ampla privatização de empresas e bens públicos para aliviar o Estado de centenas de atividades empresariais ineficientes que sobrecarregam a estrutura do setor público e custam à nação imensos recursos em forma de subsídios”.