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Profissão: avós – 19/07/2024 – Normalitas

Eles estão por toda parte.

Quando cheguei na Espanha, anos atrás, muchas cousas e não-cousas me chamaram a atenção.

Entre elas, a profusa quantidade de bancos públicos, tanto em cidades grandes como Madri e Barcelona quanto em pueblos de toda sorte e remoticidade.

Aqui, tem banquinho e bancão onde ce imaginar, de lugares mais convencionais como praças/parques/esquinas/calçadas a passeios de pedestres e (((pra minha pasmação))) até canteiros centrais de avenidas movimentadas.

Onde essa que vos fala já se sentou una y otra vez, regiamente alheia ao vroom vroom do trânsito.

A nação espontânea dos bancos conjura uma variada cidadania – funcionários em horário de almoço comendo um bocata*, famílias em pausa da peregrinação domingueira, jovens namorados, gentes sem teto à procura de guarida, entregadores de delivery e suas bicicletas, pombinhas escaneando migalhas.

E os mais ilustres e fiéis ocupantes desses benditos e convidativos espaços públicos: Los Abuelos, vulgo Os Avós.

Assim os apelidei na minha imaginação, gente. Numa boa. Abuelos como abuela espero ser um dia, mesmo que sem netinhos (((sério seriíssimo)).

Abuela capaz de caminhar numa ensolarada esplanada (caminhar! que p#t@ privilégio!) e esticar as pernas num banco; de me nutrir da casual companhia humana ao lado, do passa-passa da rua, caótica e natural como o Existir. Voyeurando gente e me deixando voyeurar: aqui estamos, aqui passeamos, aqui, como um bando de golondrinas* efêmeras de verão, congregamos.

***

À medida que fui me aclimatando à dinâmica social das hispanobservações cotidianas, me dei conta de que não só os bancos são território de abuelitos; eles também são top of the pop na saída de escolas.

Abuelos buscando, esperando, deixando crianças. Abuelos trazendo biscoitinhos num fim de tarde, abrindo braços para abraços. Abuelos ralhando, não-pisem-na-grama-que-aí-tem-cocô. Cuidado com as bicicletas, ah que bonito esse desenho; saudemo-nos entre carrinhos de bebês, levemos o pão para a merienda, paremos pra um dedo de prosa; abuelos, abuelos.

Amigos locais e namôs com filhos me confirmaram que não é minha impressão: abuelos são de fato uma parte importante da dinâmica familiar espanhola. Não raro, avós aqui são um pouco pais de netos.

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Pensei nos abuelos espanhóis das minhas pseudoanálises retinescas quando vi uma notícia recente sobre uma nova lei aprovada na Suécia que permite criar salários para avós que cumprem um papel no cuidado dos netos.

Vista em lupa, nem é assim uooooo uma super vantagem, mas é um avanço legal, gente.

Basicamente, pais podem transferir uma parte de sua licença-paternidade/maternidade de 480 dias (de 45 a 90 dias, respectivamente no caso de uma família pluri ou monoparental) aos avós que deem uma força com as crianças.

Suécia, esse país de contrastes. Terra de benefícios sociais notáveis, e também lugar de solidões profundas, como retratado no documentário A Teoria Sueca do Amor (Prime Video, 2016).

Uma amiga de Estocolmo já me dizia: aqui temos muita ajuda, mas precisamos. “Todo sueco conhece histórias ruins com isolamento e suas consequências drásticas”, me contou, ela mesma há muito lidando com uma persistente depressão sazonal.

Os suecos entendem a importância de fomentar o encontro entre gerações. Também em outras partes poderíamos avançar nesse tema.

Na Espanha, onde a abuelosofia é patrimônio nacional, os abuelos dedicam uma média de 6 horas diárias ao cuidados dos netos, segundo a Sociedade Espanhola de Geriatria e Gerontologia. Isso significa pelo menos 30 horas por semana, isto é, quase uma jornada integral de trabalho.

Mais de um espanhol/a adurto mezzo xovem como yo já me contou, nostálgic@, sobre ter tido o privilégio de compartilhar histórias e ensinamentos com avós no convívio casual de cada-dia.

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É bonito, é importante, mas não necessariamente essa função essencial dos abuelos é sinal de saúde sociofamiliar.

Segundo explicou ao jornal ABC o espanhol Iñaki Ortega, especialista em economia sênior, é verdade que a melhoria da saúde na terceira idade tem contribuído para o protagonismo funcional dos avós; por outro lado, “sabemos que muitos países não poderiam funcionar sem essa ajuda que proporcionam os mais velhos”.

Entre as problemáticas motivações por trás do fenômeno do abuelocentrismo, podemos enumerar a falta de ajudas, a precariedade familiar e laboral e a sobrecarga de papéis dos familiares, incluindo a entrada da mulher no mercado de trabalho nas últimas décadas, criando jornadas multiquaquidesafiadoras pra tod@s.

“O serviço que prestam os avós é totalmente gratuito e altruísta, e oferecer incentivos por ajudas econômicas ou isenções fiscais não só ajudaria a dignificar o serviço que prestam como reconheceria um trabalho que deveria ser realizado por profissionais de forma retribuída”, afirma Benjamí Anglès, professor de Estudos de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Aberta da Catalunha.

Confesso que não sei o que opinar de tudo isso. O que vocês acham?

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Pra encerrar, e recuperando o lado bunito do tema nesta prosaica coluniña, penso: aaah, a união das pontas. O encontro entre gerações. Que maravilhoso, que necessário.

Melhor ainda, creio, se fosse opcional, quebrando um tabu ancestral: o direito a ser um avô/avó livre.

Como a mãe de um amigo, que escolhe quando curtir com as amigas e quando estar com os netos. Faz isso sem a menor culpa, alegando a famosa frase: os meus já criei.

Sortudos meu amigo e sua mãe, porque sua condição permite esse luxo — que, num mundo colorido de pirlimpimpim, deveria (creio) ser um direito celebrado.

Melhor ainda seria se essa solidariedade transgeracional também transcendesse fronteiras familiares. Que fôssemos todos um grande banquinho de praça participativo. Etcetera. Ou não?

***

A Suécia podia chegar aqui na Espanha e aí no Brazel, mas, sobretudo, poderia chegar nos nossos corazones.

Gostaria de ter perguntado tanta coisa pros meus avós. Não tive essa consciência, e também nao convivi muito com eles. Avós que ralaram, avós imigrantes, que viram guerras, fome, revoluções.

Avós que subiram seus filhos em paus-de-arara, que lavraram a terra, que aprenderam a guardar saco de pão alisado e dobradinho pra qualquer eventualidade, cientes de outros tempos que nao os meus. Avós cansados paka.

Avós que sabiam ler a previsão do tempo no céu, que acreditavam no poder da água do arroz pra embelezar a pele, que colhiam bucha de banho no quintal, que faziam um tacho de polenta pros cachorros. Que Sabiam de Coisas, que eram bizarros, humanos, e que legaram Grandes Frases. Como essa da minha batchan japonesa, que dizia que em cada grão de arroz há um deus.

Em cada banco……

*bocata: sanduíche

golondrina: andorinha

Fonte: Folha de São Paulo

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