Em seu primeiro discurso após o atentado sofrido no sábado (13), Donald Trump pregou a unidade nacional, disse ser o salvador da democracia, mas repetiu ataques a democratas e acusações sem provas de fraude eleitoral na fala de encerramento da convenção republicana na noite desta quinta-feira (18), começo da madrugada de sexta (19) no Brasil, em que aceitou oficialmente a nomeação do partido.
Em uma fala permeada por referências religiosas, o empresário disse que Deus o salvou.
Trump começou contando em detalhes os momentos que passou durante a tentativa de assassinato, dizendo que não voltaria a repetir a história por ser muito dolorosa. “Havia muito sangue e, de certa forma, eu me senti muito seguro, porque soube que Deus estava do meu lado”, disse.
“Meus apoiadores sabiam que eu estava em perigo e eles não saíram correndo”, prosseguiu, dizendo que isso evitou uma disparada e outras mortes. “Não era para eu estar aqui esta noite”, disse, levando o público a entoar “sim, é para você estar”. “Eu só estou aqui pela graça de Deus.”
Em um tom de voz abaixo do que costuma usar em comícios, Trump conjurou um clima grave e obedeceu o roteiro no início do discurso, contrastando com seu candidato a vice, J.D. Vance, que falou na quarta (17) com piadas e um estilo informal.
Ao entrar no palco, com direito a uma produção digna de uma celebridade de reality show, Trump fez todo o público levantar e gritar seu nome. Mas, com o tempo, conforme ele fugia do discurso no teleprompter, um clima de cansaço foi se espalhando, com reações mais esparsas de apoiadores.
O ex-presidente comemorou o arquivamento da ação contra ele no caso dos documentos sigilosos, elogiando a juíza Aileen Cannon, indicada por ele. “Se os democratas querem unificar o país, eles devem desistir dessa caça às bruxas pela qual passo há oito anos.”
O republicano passou por algumas de suas propostas: retomar a perfuração e exploração de petróleo sem restrições, cortes de impostos, aumento de investimentos, fechar a fronteira e construir o muro —e prometeu acabar com “a invasão de imigrantes” que “mata milhares de pessoas”.
Também atacou seu adversário: “Se você juntar os dez piores presidentes da história, eles não seriam piores que Biden —só vou usar esse nome uma vez. O estrago que ele causou é impensável”.
Trump entrou no palco em frente a um imenso letreiro com seu nome sob a música patriótica “God Bless the USA”. Durante o discurso, o palco imitava a Casa Branca atrás dele.
A fala concluiu a convenção nacional republicana, megaevento de quatro dias marcado pelo culto à personalidade do ex-presidente e um tom religioso que refletiu o domínio quase completo que ele agora exerce sobre o partido.
Traçando a trajetória avassaladora de Trump na agremiação, alguns dos palestrantes do evento relembraram a entrada oficial do ex-presidente na política, nove anos atrás, em junho de 2015, quando gravou um vídeo anunciando que disputaria as primárias do Partido Republicano enquanto descia a escada rolante dourada da Trump Tower em Nova York.
Se na época o establishment do partido e a imprensa americana trataram o bilionário primeiro como piada e depois como zebra, há pouco espaço para risadas hoje entre os críticos de Trump que não se arrependeram. Não estiveram presentes na convenção, por exemplo, o ex-vice-presidente Mike Pence, a ex-deputada Liz Cheney e o ex-senador e ex-presidenciável Mitt Romney —todos se recusaram a embarcar nos ataques de Trump contra o sistema eleitoral e hoje estão no ostracismo político.
Os discursos que antecederam o de Trump foram dando o tom da noite, passando pelo ex-lutador de wrestling (uma luta livre encenada) Hulk Hogan, o presidente e apresentador do UFC, Dana White, e o jornalista de direita Tucker Carlson. Vários mencionaram o atentado de sábado como um milagre divino. De todos os temas tratados, questões morais despertaram uma reação muito mais efusiva da plateia do que assuntos econômicos.
Dana White apresentou Trump investindo na mensagem do ex-presidente como um amigo caloroso que pediu desculpas a White por interromper sua viagem com a família para discursar na convenção republicana.
“Eu sei porque ele se candidatou de novo. Sabemos que ele não precisa disso, ele tem uma ótima vida e uma família linda. Trump está colocando sua vida em risco porque ele ama esse país”, disse Dana. “Os EUA precisam de um líder forte e o mundo precisa dos EUA fortes.”
“Até pessoas que não acreditam em Deus devem achar que tem algo acontecendo”, disse Tucker Carlson, citando o debate e o atentado de sábado. “Deus está entre nós”, afirmou, ovacionado pelo público.
Franklin Graham, filho do famoso pastor que aconselheu presidentes Billy Graham, conduziu uma oração de agradecimento a Deus por ter salvo a vida de Trump no sábado e transformou a convenção em um culto.
“Ele não é uma ameaça à democracia. Ele é uma ameaça àqueles que desprezam nossa República”, disse Eric Trump sobre o pai, listando, entre outros, pessoas que dependem de auxílio governamental. “Nós não confiamos mais nas nossas eleições, não confiamos mais no nosso Judiciário, e não acreditamos mais que o governo trabalha a nosso favor.”
“Nossas crianças terão valores e nossas crianças acreditarão em Deus”, disse Eric, em mais uma da série de falas religiosas da noite.
Um dos nomes que mais fizeram a plateia vibrar foi o pastor Lorenzo Sewell, de Detroit (Michigan). “Você não pode negar que Deus o protegeu. Que foi um milagre de um milímetro que salvou sua vida. Será que Jesus Cristo o salvou para uma hora como essa?”, disse, e logo foi interrompido por aplausos. “Será que Deus todo-poderoso protegeu? Levante suas mãos se você acha que sim”, comandou, levando o público à loucura.
Em seguida, os telões do Fiserv Fórum reproduziram um vídeo em que Trump dança a música YMCA –uma montagem de várias cenas em que o empresário mexe os braços.
Assim, montou-se o clima para a entrada de Trump no ginásio. O empresário chegou pouco antes das 19h (hora local), cumprimentou apoiadores e se sentou em uma espécie de camarote. Assistiu ao restante dos discursos e esperou sua vez para encerrar o evento à sua feição.
Diante de toda a expectativa criada em torno do discurso de Trump, porém, a empolgação do início deu lugar a uma atmosfera mais pesada, criada pelo próprio republicano em sua posição de vítima —e salvador— maior dos EUA.