O segundo dia da convenção do Partido Republicano em Milwaukee, no estado de Wisconsin, serviu como uma vitrine da transformação radical pela qual a sigla passou desde que foi completamente tomada pela figura e ideologia do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.
A relação de nomes que estavam previstos para discursar nesta terça-feira (16) está repleta de ex-rivais e detratores de Trump dentro do partido que agora correm para apoia-lo: o governador da Flórida, Ron DeSantis, que já disse que o ex-presidente prejudica os republicanos; a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley, que já chamou Trump de incapaz de ser presidente; o senador Marco Rubio, que já disse que o candidato à Casa Branca era um vigarista e acaba de ser preterido como vice da chapa, entre outras figuras de maior ou menor relevância no partido.
Entretanto, tão reveladora quanto a fila de adversários que agora asseguram a base republicana que estão com Trump é a lista dos ausentes. Não vão comparecer à convenção em Wisconsin políticos que já foram o centro de gravidade do partido e que, diferente dos presentes, seguem criticando fortemente Trump —uma posição que, hoje, significa suicídio político para republicanos e garante o ostracismo dentro do partido.
Não estará em Milwaukee o senador Mitt Romney, que em 2012 conquistou a nomeação do partido para disputar a Casa Branca contra Barack Obama, perdendo por apenas dois estados. Romney sustenta que Trump é uma ameaça à democracia americana e votou com democratas a favor do impeachment do ex-presidente após a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 —o Senado, controlado por republicanos, barrou o afastamento de Trump na época.
A distância entre Romney e seu partido foi tanta que o político anunciou no ano passado que não vai tentar a reeleição ao Senado este ano.
Também não comparecerão à convenção o ex-presidente George W. Bush, eleito para dois mandatos, e o ex-vice-presidente Mike Pence, que se afastou de Trump depois de ter recusado o pedido do então presidente de adiar a certificação da vitória de Joe Biden nas eleições de 2020. Por essa decisão, o republicano chegou a defender manifestantes que gritaram “enforque Mike Pence” durante a invasão do Capitólio, quando apoiadores de Trump tentaram impedir justamente essa certificação.
Analistas ouvidos pela imprensa americana apontam que essa experiência pode ter ajudado Trump a escolher seu candidato a vice desta vez: o senador J.D. Vance já disse que faria o que Mike Pence não fez e não certificaria os resultados da eleição de 2020. Vance defende a narrativa de Trump de que o pleito foi fraudado, uma afirmação feita sem provas.
A escolha de Vance como vice também reforça a percepção de que o controle de Trump sobre o Partido Republicano é tanto que ele não está mais preocupado em ampliar sua base interna. Os dois outros cotados, Marco Rubio e o governador da Dakota do Norte, Doug Burgrum, dialogavam com outras alas da sigla —Rubio tem ascendência latina e fala espanhol, podendo ser uma ponte com esse eleitorado, enquanto Burgrum é um nome tradicional do empresariado republicano e poderia acalmar possíveis preocupações de investidores sobre Trump.
Ao invés disso, o ex-presidente escolheu Vance, representante da classe operária branca do Cinturão da Ferrugem dos EUA e com posições à direita até mesmo de Trump em questões como a do aborto —o senador é a favor de uma lei federal que proíba a interrupção da gravidez em todo o país, derrubando a proteção ao procedimento em estados mais progressistas.
Em outras áreas, Vance ecoa as posições de Trump, inclusive neste que vem sendo um dos temas-chave das eleições presidenciais dos EUA: imigração. O senador já enfatizou que “as fronteiras abertas de Joe Biden” significam que “mais drogas ilegais e mais eleitores democratas estão invadindo o país”.
A fala é uma alusão à ideia de que a entrada de imigrantes é tolerada pelo partido adversário porque essas pessoas, em tese, tendem a apoiar democratas, mas também conversa com a teoria da conspiração racista da “grande substituição”, que coloca a imigração desenfreada como parte de um plano para erradicar pessoas brancas nos EUA e na Europa.
Não por acaso, o tema do segundo dia da convenção republicana é “Make America Safe Again”, torne a América segura de novo, uma variação do slogan de campanha de Trump “torne a América grande de novo”. O foco dos discursos de candidatos ao senado e outros palestrantes é a criminalidade nos EUA, atrelada tanto por Trump quanto por seus apoiadores à imigração ilegal e à suposta ação de criminosos vindos da América Latina.
Estão previstas falas que destaquem crimes violentos cometidos por imigrantes em situação irregular, como a morte da estudante de enfermagem Laken Riley em fevereiro. De acordo com a polícia, Riley foi assassinada por um imigrante venezuelano que havia recebido permissão de ficar nos EUA enquanto esperava uma decisão da Justiça sobre sua permanência.
Os palestrantes devem relacionar este e outros crimes ao governo Biden, que enfrenta um número recorde de imigrantes entrando nos EUA por dia, e apoiar as propostas de Trump para a questão. O ex-presidente pretende aumentar operações contra pessoas em situação irregular, realizar deportações em massa e até construir campos de detenção para imigrantes.
Na segunda (15), Trump fez uma breve aparição no evento, a primeira desde a tentativa de assassinato contra ele no sábado (13). O ex-presidente estava com um curativo na orelha direita, onde foi atingido de raspão por uma bala durante um comício na Pensilvânia, e foi recebido por apoiadores com fortes aplausos.