Em 1965, quando concorria às eleições presidenciais, o general Charles de Gaulle alertava que “a França poderia entrar em estado mais desastroso do que qualquer outro já vivido”. O apelo foi resumido como “sou eu ou o caos” (“c’est moi ou le chaos”). Desde então, cientistas políticos e jornalistas recorrem à frase, erroneamente atribuída ao general, para definir a estratégia de vários políticos ao longo da história para salvar seus mandatos. Emmanuel Macron não é exceção.
Banqueiro e ex-ministro da Economia no governo de François Hollande, Macron fundou seu partido, dando-lhe cara de terceira via, em 2016. No ano seguinte, apesar de inexperiente, aproveitou o vento favorável para concorrer à Presidência, com a economia estagnada e o povo insatisfeito com a velha política. A outra opção do segundo turno de 2017 era Marine Le Pen. Com medo do caos, os eleitores apostaram no incerto.
Seu primeiro governo flexibilizou direitos trabalhistas, reduziu impostos de empresários e cortou programas sociais. Inábil em se manter no centro e ignorando o povo que protestava nas ruas, Macron ganhou o título de “presidente dos ricos”. Impopular, mas movido por grande ego, buscou reeleição em 2022, apelando novamente à estratégia de “sou eu ou o caos”. Desta vez, porém, a aposta não era mais no desconhecido.
Acuada, a esquerda, sem fôlego para chegar à vice-liderança, tem sido sempre quem faz o maior sacrifício. Foi assim em 2022, quando precisou engolir amargamente a decisão de apoiar Macron para obstruir a vitória da ultradireita. Ingrato, o presidente reeleito seguiu com sua agenda neoliberal. No ano seguinte, decretou unilateralmente uma reforma da Previdência que puniu os trabalhadores.
O caos começou a parecer ser melhor opção. Com a esquerda fragmentada, a ultradireita tem triunfado.
Quando Jean-Marie Le Pen fundou o partido Frente Nacional (FN), em 1972, era impensável que a França pudesse dar espaço para tanto ódio. Obtendo a primeira cadeira no Congresso nacional só em 1986, Jean-Marie conseguiu ir longe com seu discurso abertamente antissemita e fascista. Disputou o segundo turno contra Jacques Chirac em 2002, mas sofreu ampla derrota.
Desgastada, a FN começou a estagnar. Marine substituiu seu pai na liderança do partido, em 2011. Como a política é um espaço de poucas lealdades, ela o expulsou da agremiação, percebendo que o discurso de ódio, quando esbravejado, encontra maior resistência. Astuta, a filha investiu estrategicamente em dotar de nova roupagem a FN, renomeada de Reunião Nacional (RN), moderando sua retórica, mas mantendo a ideologia.
Assim, a RN tem encontrado espaço para além da plataforma tradicional do eleitor de ultradireita, acendendo no cidadão comum a ideia de que sociedade francesa se encontra ameaçada. Até aqui, tem logrado um êxito que se repete em outras democracias.
Em parte, não é apenas a ultradireita que cresce, mas sim todo o sistema político que se radicaliza em algumas agendas. Ao dissolver o Parlamento para punir os eleitores por suas escolhas nas eleições do Parlamento Europeu, Macron legitimou ainda mais a ultradireita e potencializou força num sistema democrático que ela destrói. Um verdadeiro cavalo de troia.
Coube, mais uma vez, à esquerda vir ao resgate. Na última semana, o bloco pluripartidário Nova Frente Popular (NFP) mobilizou suas forças para salvar a maior vítima deste processo: a democracia.
Macron seguiu ostentando uma grandeza que há tempos não se sustenta. Nem a elite para quem governa nem o povo a quem ignora acreditaram que o presidente pudesse ser a alternativa ao caos que ele mesmo instaurou.
Com o resultado, a ultradireita, apesar de não se tornar majoritária no Congresso de acordo com as projeções, consolida-se como protagonista de uma sociedade cada vez mais distante dos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”.
Macron deixa a França em estado ingovernável e aprofunda a crise dos partidos de centro que favorecem o capitalismo. A esquerda, heroína do dia, continuará fragmentada e com dificuldade de demonstrar que é capaz de entregar mais do que oposição. Sobra uma sociedade ainda mais polarizada, uma democracia violentada e as lacunas sobre o futuro. Agora ainda mais incerto.