Um andador para idosos com o selo da presidência dos Estados Unidos estampou a capa da revista inglesa The Economist de quarta-feira (3). É nisso que se baseia a atual campanha presidencial do país mais influente do mundo. Esqueça a inflação, o desemprego, a imigração, a criminalidade, a política externa, o que importa é a idade dos candidatos. “Sem condição de comandar um país”, diz a revista, se referindo ao presidente Joe Biden. O apelo para que Biden retire sua candidatura às eleições de 2024 é geral, mesmo dentro do Partido Democrata.
Ninguém discorda que Biden teve uma participação vergonhosa no debate com o ex-presidente Donald Trump, nem ele mesmo, que tentou se justificar. Culpou seu desempenho pelas viagens feitas semanas antes, “não é uma desculpa, mas uma explicação”. Já as autoridades da Casa Branca acobertaram a situação culpando o resfriado de Biden que nem ele soube que teve. Mas para a grande maioria, a culpa foi a sua idade.
O que menos importa é que Biden tem 81, mas como Biden chegou aos 81. Ele aparece como uma figura frágil, desorientada, apática, com lapsos de memória e que mal consegue terminar um raciocínio. Sua voz, fininha, nem chega a ser rouca de tão fraca. É assim que chegou à idade que tem. Apesar das suas limitações, Biden insiste que tem plenas condições de ir até o fim do mandato com o vigor necessário. Na entrevista que deu sexta-feira (5) à George Stephanopoulos, da ABC News, ele reafirmou que está dentro da disputa e que nenhuma pressão o fará mudar de ideia. Essa é a maior prova de que ele já passou do ponto: a teimosia, um dos maiores sinais de que a pessoa, de fato, envelheceu.
Biden disse na entrevista a Stephanopoulos que o fiasco no debate “foi um episódio ruim”. Não foi. Não é de hoje que Biden tem seus lapsos públicos. Em fevereiro, em Las Vegas, confundiu a ex-chanceler alemã Angela Merkel com o falecido Helmut Kohl. No mesmo evento, confundiu os presidentes do México e do Egito, e pediu um encontro com o ex-presidente francês François Mitterrand, que morreu há quase 30 anos. Ano passado, trocou a Ucrânia pelo Iraque. Em 2022 perguntou se uma congressista morta estava presente em um evento na Casa Branca. A preocupação da maioria dos americanos é legítima, porque já se sabe que a incapacidade de Biden não é circunstancial e muito menos uma mera conjectura.
Dizem que a idade é relativa. Concordo, tão relativa que, perto de Biden, Trump se vê como um jovem atlético. O galã republicano agora se acha o rei da cocada preta, se gabando por ter “detonado aquele defeituoso e velho amontoado de porcaria”, como disse há poucos dias, a bordo de um carrinho de golfe. Eis o exemplo de um velho mimado, que envelheceu antes de ficar maduro.
Cada um envelhece como pode, depende da genética (sorte), das escolhas, do estilo de vida e do ambiente social. Conheço pessoas que são velhas desde os 15 anos; outras, com 70, que correm maratonas e continuam sendo aprendizes da vida. A idade cronológica nem sempre reflete a idade biológica —é essa a idade real, a biológica, que não depende de números. Por isso, limitar a idade máxima para os cargos de liderança baseada na data de nascimento, como alguns defendem, pode ser a medida mais fácil, mas não é a mais eficiente. Não seria mais real uma avaliação neurológica e cognitiva —e eu acrescentaria, psicológica, mas poucos passariam— como condição prévia? Biden, teimoso, se nega a fazer o teste, que pelas leis eleitorais do país não é obrigatório. “Eu faço um teste cognitivo todos os dias”, disse ele para Stephanopoulos.
O debate de 27 de junho despertou discussões sobre a gerontocracia, o governo dominado por idosos, que infelizmente tem esbarrado no etarismo. O embate entre os dois candidatos desgastados, como Biden e Trump, questiona a capacidade física e mental de todos os 75+. Será?
Caetano Veloso tem 81, não precisa dizer mais nada. Mick Jagger completa 81 no próximo dia 26, pula, grita, corre, dança, toca e tem muito rock and roll no seu corpinho de 30. Hermeto Pascoal com 87 tem uma criatividade que não se cansa e acabou de lançar um disco em homenagem à sua esposa. Gilberto Gil tem 82 e continua o moleque gigante, compositor, poeta inspirado. Chico Buarque, o oitentão dos olhos azuis —que dizem que são verdes, como falava Tom Jobim— continua fazendo e encantando. Importa quantos anos eles têm?
Não é só a música que faz bem para a saúde. Adélia Prado, aos 88 recebeu dois prêmios super importantes, Camões de Portugal e Machado de Assis da ABL, e se prepara para lançar seu novo livro. Fernanda Montenegro tem 94 continua a brilhar nos palcos e a lotar teatros. Woody Allen tem 88, continua genial e acaba de lançar um novo filme, “Coup de Chance” —ele, que odeia a velhice, mas acha ótima considerando a alternativa.
Ulysses Guimarães, até a morte trágica em um acidente de helicóptero aos 76 anos, era o Senhor da Democracia, lúcido e firme. Quando Fernando Collor de Mello o acusou de ser “senil e desequilibrado”, ele provou como estava afiado e bem-humorado, sinal de juventude: “Sou velho, mas não sou velhaco”.
Biden vive a síndrome da dificuldade do Let Go. Apegado ao cargo, nega suas incapacidades, insiste que o debate foi apenas “um episódio ruim”, refuta as pesquisas que reprovam sua candidatura. Perde a oportunidade de ser lembrado por suas conquistas e não pela imagem do velho que não vai embora, como o Rei Lear de William Shakespeare. O personagem da tragédia, escrita em torno de 1605, se recusa a abdicar do poder, mesmo quando suas capacidades estão claramente em declínio.
Quando os líderes “resistiram tanto tempo”, como o duque de Kent coloca na peça, mesmo com suas capacidades comprometidas, as consequências não só recaem neles próprios e na sua família, como para todo o reino.
Biden chega à reta final da carreira tendo duas opções. Fazer prevalecer a sabedoria na sua velhice ou fazer o país que diz tanto amar caminhar de andador.