Eleitores de esquerda e de centro na França se juntaram neste domingo (7) a fim de impedir a vitória da ultradireita. Trata-se de algo que ocorre com frequência desde 2002. Foi assim também que Emmanuel Macron se elegeu presidente do país em 2017 e em 2022.
Mas desta vez, e apesar de haver um racha na cúpula política da “frente republicana”, foi um tanto diferente. Em primeiro lugar, houve uma grande reviravolta na semana entre o primeiro e o segundo turnos, e o tamanho da aliança informal, tácita, entre eleitores de centro e de esquerda surpreendeu.
Além disso, muitos eleitores ignoraram recomendações de líderes políticos do centro à direita e votaram na esquerda no segundo turno. Por fim, esta foi uma aliança para impedir a formação de uma maioria legislativa da Reunião Nacional (RN), o partido de ultradireita de Marine Le Pen.
A maioria dos franceses, pois, espera que se forme um governo que não seja de ultradireita. No entanto, votou de modo a criar três grandes blocos na Assembleia Nacional, algo inédito na Quinta República francesa, que começou em 1958. A renovação foi baixa, de resto: 408 dos 577 deputados se reelegeram.
A não ser que ocorram dissidências enormes na coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) ou na macronista (Juntos), será muito difícil compor uma aliança com maioria parlamentar (289 do total de 577 deputados).
Macron pode escolher o primeiro-ministro que quiser, em tese. Mas, sem maioria ou um complexo acordo de governança provisória, o governo pode cair em um dia por falta de maioria parlamentar, por meio de uma moção de censura. Difícil dar certo.
Pode haver um governo de maioria relativa, menos de 50% dos deputados. Na presente situação, as coalizões teriam dificuldade até de juntar 40% dos votos da Assembleia. A NFP por ora tem maioria relativa (31% da Assembleia). Mas seus líderes querem que Macron os chame já para montar um novo governo.
Além do mais, uma aliança entre muitos adversários de ideias muito diferentes dificilmente chegaria a acordo sobre temas essenciais de política pública, em particular Previdência, gasto público, salário mínimo e política ambiental. De resto, a perspectiva de haver nova eleição legislativa, daqui a um ano, não contribui para a estabilidade do governo.
Mesmo se não houvesse crise política maior, um tal governo seria capaz apenas de tocar o barco administrativo. Em suma, haveria uma paralisia disfarçada. Os problemas reais continuariam sem discussão ou solução.
Por fim, especula-se nos jornais franceses sobre a alternativa de um “governo técnico”, de especialistas, tecnocratas, sem filiação partidária muito pronunciada. Por ora, parece uma possibilidade teórica.
A NFP elegeu 182 deputados. São 75 do partido França Insubmissa (LFI, tido como esquerda radical), 65 do Partido Socialista (centro-esquerda muito moderada), 33 dos Ecologistas e 9 do suave Partido Comunista.
Ela pode atrair ainda outros 13 avulsos eleitos pela esquerda. Quer governar, mas ainda não se entende sob qual primeiro-ministro. O líder da LFI, Jean-Luc Mélenchon, é malvisto até pelos demais partidos da coalizão esquerdista.
O Juntos, coalizão macronista de um centro liberal, “terceira via” ora inclinada mais à direita, fez 168 deputados (em 2022, elegera 246). A direita tradicional, composta pelos membros do Republicanos mais direitistas avulsos, somaria 60 deputados.
Macron e a direita não querem saber de se juntar com a LFI. O restante da coalizão de esquerda teria de aceitar uma aliança com macronistas e direitistas para haver maioria liderada pelo centro. Difícil. Diferenças programáticas, ideológicas e históricas têm importância na França. Um novo tipo de aliança dependeria de uma reinvenção dos modos políticos do país.
Enquanto isso, quase ninguém na Assembleia quer conversa com a ultradireita. A RN e a dissidência lepenista nos Republicanos elegeram 143 deputados. Esperavam fazer mais de 200, quem sabe até a maioria absoluta.
O voto útil barrou as suas esperanças. No segundo turno, havia 501 distritos em disputa. Os candidatos da RN haviam chegado em primeiro lugar, no primeiro turno, em 258 desses. No segundo turno, porém, elegeram apenas mais 104 deputados.
O tamanho da aliança tácita dos eleitores centristas e esquerdistas foi uma surpresa, repita-se, uma “inversão de tendência de uma brutalidade inédita entre os dois domingos de uma eleição da Quinta República”, escreveu Jerôme Fenoglio, diretor do Le Monde, jornal de simpatias centro-esquerdistas.
Agora, a expectativa declarada da RN é que sobrevenha uma crise de governabilidade e uma degradação extra das correntes políticas mais tradicionais. “A maré sobe. Não subiu alto o bastante desta vez, mas continua a subir e, portanto, nossa vitória foi apenas adiada”, disse neste domingo a líder do partido, Marine Le Pen.
Sua legenda teve uma derrota relativa, por assim dizer. No primeiro turno, contada a dissidência ultradireitista dos Republicanos, teve 33,4% dos votos totais. A NFP teve 28,3%; a coalizão de Macron, 21,8%.
A votação total do segundo turno é distorcida por eleições decididas no primeiro turno e pelas desistências de candidatos de centro e esquerda em favor de adversários com mais chances de bater a ultradireita.
Na Assembleia, a RN é o maior partido, com 126 deputados (elegera 89 em 2022). O Renascimento, de Macron, fica em segundo, com 102, e o França Insubmissa em terceiro, com 75.
Por ora, o RN está à espera da ingovernabilidade. Ou de o governo cair de podre.