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Ucrânia reúne provas de que Rússia cometeu ‘ecocídio’ – 09/07/2024 – Ambiente

Desde o início da Guerra da Ucrânia, iniciativas que buscam documentar potenciais crimes cometidos pelas tropas russas vêm se multiplicando, na esperança de um dia levar aos agressores ao banco dos réus.

Mas enquanto alguns esforços nesse sentido reverberaram no mundo inteiro, como as investigações acerca do massacre dos habitantes de Butcha ou as evidências de que o governo de Vladimir Putin vem extraditando crianças ucranianas para a Rússia, outros chamam menos a atenção.

É o caso, por exemplo, da documentação dos danos da invasão russa ao meio ambiente ucraniano, que alguns descrevem como “ecocídio”.

O conceito nasceu nos anos 1970, mas só ganhou uma definição três anos atrás, após uma reunião de juristas sobre o tema. Na época, o crime foi descrito como a decisão de se executar de “atos ilegais ou injustificáveis” mesmo se tendo ciência da grande probabilidade de que eles causariam “danos graves e amplos ou duradouros ao meio ambiente”.

No Brasil, organizações de direitos humanos e líderes indígenas chegaram a usar o termo para se referir ao desmantelamento de políticas ambientais promovido pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Muitos ativistas defendem que o ecocídio seja incluído no Estatuto de Roma, o tratado fundador do TPI (Tribunal Penal Internacional), juntamente com o genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão. Ele se tornaria desse modo o “quinto crime internacional” sob o escopo de atuação da corte, o que permitiria à Ucrânia e a seus aliados denunciar autoridades envolvidas em agressões ao meio ambiente.

E os impactos dessas agressões são imensos —algo especialmente preocupante dado que a Ucrânia é um dos países com mais biodiversidade da Europa, abrigando representantes de cerca de 35% de todas as espécies do continente, apesar de ocupar menos de 6% de sua área total.

Um dos eventos mais exemplificativos dessa dimensão do conflito foi a explosão que Kiev afirma ter sido intencional de uma represa de Nova Kakhovka pelos russos em uma área ocupada de Kherson, no sul, em junho passado.

Dezenas de pessoas morreram e vilarejos inteiros foram alagados no incidente, que o próprio presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, chamou de ecocídio.

A poluição do solo e, em última instância, do oceano por algumas das substâncias arrastadas pelo fluxo da água, como pesticidas, óleos lubrificantes industriais, gasolina e até mesmo minas terrestres, é exemplo de um impacto ambiental com que gerações de ucranianos provavelmente terão de lidar.

Outras ocorrências comumente mencionados para fundamentar as acusações de que Moscou cometeu ecocídio contra Kiev são as mortes em massa de golfinhos no mar Negro, que alguns cientistas postulam serem resultado da intensa atividade militar na área; as invasões a instalações de energia atômica, como a usina nuclear de Zaporíjia, no sul, até hoje ocupada pelos russos, ou a planta desativada de Tchernóbil, perto da capital; e as explosões de refinarias de petróleo em cidades como Jitomir e Lviv.

A ONG ucraniana EcoAction criou uma base de dados para registrar todos esses potenciais crimes. Alimentada por relatos de casos reportados por veículos de imprensa e pelo governo, ela contabiliza 1.682 casos de agressões ao meio ambiente pelos invasores do início da guerra até 9 de maio, última data em que foi atualizada.

O governo apresenta uma estimativa muito maior, de 5.257 agressões ao meio ambiente, no painel que o Ministério de Proteção Ambiental e Recursos Naturais da Ucrânia mantém em seu site e atualiza diariamente.

Dos danos, o mais difíceis de contabilizar são provavelmente aqueles causados ao clima. Oleksii Riabitchin, doutor em economia especializado em mudanças climáticas, integra uma equipe internacional que vem tentando justamente estabelecer uma metodologia para realizar esses cálculos.

O objetivo final da iniciativa é servir de base para uma legislação que obrigue Estados agressores a pagarem pela emissão adicional de gases poluentes nos territórios que invadiram em meio a um conflito armado.

Riabitchin, que é negociador da delegação ucraniana para a COP (conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas) desde 2015, afirma que esses cálculos são complexos devido à longa cadeia de desdobramentos que uma guerra pode provocar.

Ele dá como exemplo as linhas áreas que, por causa das sanções contra a Rússia, precisam percorrer rotas de voo mais longas para não sobrevoar o território do país e, com isso, acabam por emitir mais carbono. “Na natureza, tudo está conectado”, resume. “Quando se causa um dano à Ucrânia, isso significa muitos outros países sofrem.”

Bohdan Kutchenko, cientista ambiental e integrante da EcoAction, ressalta ainda que, em diversas ocasiões, o conflito aprofunda e se sobrepõe aos desastres provocados pelas mudanças no clima.

Este seria o caso dos incêndios florestais. Eles já vinham destruindo áreas de vegetação cada vez maiores em razão dos verões mais secos, uma consequência da crise climática. Mas essa destruição é potencializada quando batalhas são travadas nessas áreas.

O especialista afirma que a presença das forças russas dificulta ainda a contenção de danos. Matas fechadas, por exemplo, são perigosas para bombeiros e outros profissionais de emergência em razão da grande quantidade de minas terrestres que escondem em seus solos.

Já áreas perto das linhas de frente das batalhas ou ocupadas pelos russos estão fora de alcance para os pesquisadores, o que impede que eles avaliem com a devida rapidez o grau de prejuízo ao meio ambiente causado por uma ou outra catástrofe ambiental. E, “à medida que o tempo passa, menos visíveis ficam essas consequências, e menores são as chances de avaliar precisamente os níveis de dano”, ele completa.

Kutchenko diz não acreditar que a inclusão do crime de ecocídio no Estatuto de Roma levaria a Rússia a interromper as agressões contra o meio ambiente ucraniano. Na visão dele, instituições ligadas à ecologia não tem qualquer influência sobre o que as vontades de Putin —o mandatário é alvo de um mandado de prisão do TPI.

Ao mesmo tempo, pondera, “o reconhecimento do ecocídio é importante para futuro, para mostrar que quem comete esses crimes será punido”.

“Infelizmente, esta não será a última guerra no planeta”, afirma Riabtchin. “Esta é a nossa chance de mandar um recado para os futuros agressores e dizer que eles vão pagar pelos danos ao meio ambiente que cometerem.”

Fonte: Folha de São Paulo

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