As críticas já feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos ataques na Faixa de Gaza levaram ao pior momento nas relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Para o ativista palestino Jamal Juma, porém, o governo brasileiro tem de fazer mais para pressionar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a interromper o que chama de limpeza étnica em curso no Oriente Médio.
Nascido em Jerusalém, Juma dedica a vida à defesa dos direitos humanos da população palestina. Em junho, ele esteve no Brasil para divulgar a campanha do Comitê Nacional Palestino de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS, na sigla em inglês), do qual faz parte, que pede o fim das relações militares, diplomáticas e comerciais com Tel Aviv. A visita surgiu de um convite de organizações, entre as quais a Vozes Judaicas por Libertação, formada por judeus críticos à condução da guerra em Gaza.
“Temos esperança de que o governo e o povo brasileiro façam muito mais esforços, não apenas no Brasil, mas também com outros países, para estabelecer um lobby que possa pressionar pelo fim da atrocidade [em Gaza]”, diz o ativista, depois de mencionar as críticas feitas por Lula e de ponderar que considera o governo brasileiro um “bom amigo”.
Juma traça paralelos entre Israel e a África do Sul no período do apartheid. Segundo ele, sanções comerciais aprovadas por 25 países no final da década de 1980, juntamente com embargo militar, foram cruciais para o fim do regime de segregação racial no país africano. O mesmo deveria ser feito com os israelenses, defende o ativista, que há décadas estariam “limitando o direito de existência” dos palestinos ao fragmentar territórios com a construção de muros e de outras barreiras.
No caso do Brasil, Juma diz que a prioridade deveria ser a revisão das relações militares. Ele propõe, por exemplo, a revogação do acordo entre o Exército brasileiro e a empresa israelense Elbit Systems para a compra de 36 viaturas blindadas de obuseiros 155 mm —espécie de canhão de grande alcance e precisão.
A pressão sobre o governo contra negócios firmados com empresas israelenses tem surtido algum efeito. Em maio, a assinatura do contrato com a Elbit Systems foi adiada por determinação do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que tenta ganhar tempo para costuras políticas com o objetivo de aplacar resistências de aliados do presidente Lula.
Juma pede também o cancelamento do contrato da Força Aérea Brasileira com a Israel Aerospace Industries para a manutenção de drones. “Há muitos passos a serem dados que nem sequer tocam na questão das empresas privadas que operam no Brasil. Referem-se apenas às obrigações do Estado de não ser cúmplice de genocídio e de crimes contra a humanidade”, diz ele.
O ativista sugere ao Brasil outras medidas em conjunto com seus vizinhos, como o fim do acordo de livre comércio entre o Mercosul e Israel, em vigor desde 2010, que elimina tarifas em transações entre as partes. Trata-se do primeiro pacto dessa modalidade a ser celebrado pelo bloco sul-americano, do qual o Brasil faz parte, com um país localizado fora das Américas.
De janeiro a maio deste ano, as importações e exportações do Brasil com Israel se equivaleram, cada uma somando US$ 438 milhões (R$ 2,4 bilhões), segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Se o ativista pede medidas mais enérgicas do governo brasileiro, entidades judaicas vêm criticando os posicionamentos de Lula e do Itamaraty desde os ataques terroristas em 7 de outubro e a subsequente guerra em Gaza. Em fevereiro, o presidente comparou as ações militares de Israel a um genocídio e fez um paralelo com o extermínio de judeus promovido por Adolf Hitler. As falas levaram a uma crise diplomática sem precedentes, e a chancelaria do governo Netanyahu declarou o líder brasileiro “persona non grata”.
Em relação aos ataques em Gaza, Juma acusa Tel Aviv de limpeza étnica e de “genocídio televisionado”. Segundo ele, trata-se de um projeto contra os palestinos de longa data que foi acelerado após o 7 de Outubro —dias antes do conflito, diz o ativista, Netanyahu apresentou um mapa durante a Assembleia-Geral da ONU que mostrava o “novo Oriente Médio” sem a delimitação dos territórios palestinos.
Israel nega as acusações e tem reafirmado que sua campanha militar é um direito de se defender dos ataques da facção terrorista Hamas. Em janeiro, após denúncia da África do Sul, a Corte Internacional de Justiça, conhecida como Corte de Haia, determinou que Tel Aviv tomasse medidas para evitar atos de genocídio, mas não reconheceu as ações militares de Israel como genocidas, frustrando os palestinos.