Mais um evento ofuscado pelas chamas da guerra em Israel, a eleição parlamentar polonesa deste domingo (15) é a mais importante que o país do Leste Europeu realiza desde 1989, quando o primeiro pleito com disputa real ainda no ocaso do comunismo foi realizado.
O país que sairá das urnas é fator central para a continuidade do apoio europeu aos esforços de guerra da vizinha Ucrânia contra a invasão russa, mas não só: é uma nação cuja busca pela reafirmação de sua identidade a tem afastado dos princípios democráticos que norteiam a União Europeia, da qual é membro de 2004.
A julgar pelas pesquisas, o atual arranjo de governo deverá ser mantido. Segundo levantamento publicado nesta sexta (13) pelo instituto IBRiS para a rede Polsat, o partido PiS (Lei e Justiça, na sigla local) lidera a corrida com 33,9% das intenções de voto.
O PiS retém o Parlamento desde 2015, mesmo ano em que chegou à Presidência com Andrzej Duda, reeleito em 2020. Atrás dele vem a principal sigla oposicionista, a KO (Coalizão Cívica), do ex-premiê Donald Tusk, com 27%.
O jogo ganha contornos menos definidos porque três partidos dividem o resto das intenções. O independente TD (Terceira Via, com 11%) já disse que não formará governo com nenhum dos rivais. O NL (Nova Esquerda, 9,7%) tenderia a se unir ao KO e o Confederação (8,2%), ao PiS.
Se o PiS mantiver o favoritismo, poderá trazer o Confederação para garantir sua maioria parlamentar, e aqui começam as más notícias para os entusiastas do projeto europeu da Polônia. O partido menor é um radical agrupamento que tem de antissemitas a xenófobos genéricos, bastante hostis ao apoio a Kiev na guerra, devido à rivalidade histórica entre os ora aliados —e à presença de 1 milhão de refugiados do vizinho no país.
Para atrair parte desse eleitorado, o próprio PiS pisou no freio na ajuda a Volodimir Zelenski. A Polônia adotou, ao lado da Hungria e da Eslováquia, um embargo à compra de grãos de Kiev para não prejudicar seus produtores internos. Os ucranianos protestaram e tentam negociar um acordo.
Mais grave, o premiê Mateusz Morawiecki anunciou que a prioridade do país seria seu ambicioso plano de rearmamento, no qual já foram empenhados ao menos R$ 325 bilhões. Ele diz pretender ver Varsóvia com o Exército terrestre mais capaz da Europa em 2026. Neste ano, projeta quase dobrar seu gasto militar para 4% do PIB (Produto Interno Bruto). Assim, o envio de armas a Kiev, como caças MiG-29, seria descontinuado.
A Polônia é a sexta maior doadora, em porcentagem do PIB, de auxílio à Ucrânia. Só em armas, até julho, foram R$ 16 bilhões, segundo o Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha).
Houve reações e meias palavras depois, mas o fato é que o comprometimento polonês se adequou ao calendário eleitoral. Há duas semanas, a vizinha Eslováquia foi além, dando a vitória na sua eleição parlamentar a uma sigla, a centro-esquerdista e nacionalista Smer, que é pró-Rússia e defende o fim do apoio a Kiev.
Isso tudo, claro, será modulado pela reação europeia. No caso eslovaco, a formação do governo incluiu um partido vital para o Smer, o Hlas, que se opõe à retirada do apoio, não menos pelo risco de se ver isolado e sem acesso a verbas e financiamentos da UE.
Na Polônia, contudo, isso nunca demoveu o PiS de embarcar em uma campanha rumo ao iliberalismo que marca sua vizinha Hungria. Como o Brasil sob Jair Bolsonaro (PL) ou Israel de Binyamin Netanyahu, o alvo inicial nesses países é a liberdade do Judiciário.
Desde 2019, quando consolidou leis sob as quais juízes podiam ser indicados por políticos e submetidos a “câmaras de correção”, a Polônia é questionada na UE. Em julho, a Corte Europeia de Justiça determinou que a legislação é ilegal, no que foi chamada pelo ministro da Justiça polonês de “tribunal corrupto”.
Se isso levará a um rompimento, não se sabe, mas o afastamento polonês é evidente. Ele tem raízes na grande desconfiança de um país que só existiu brevemente como ente livre nos últimos séculos, sendo objeto de partilhas por parte dos vizinhos —como a Alemanha nazista e a União Soviética em 1939, no evento que disparou a Segunda Guerra Mundial.
Não por acaso, russos e alemães estão no centro do discurso mais radical do PiS. No caso de Moscou, a invasão da Ucrânia é motivo autoexplicativo para o belicismo esposado por Duda e Morawiecki. Já no de Berlim, a motivação é ideológica: no ano passado, o país pediu o equivalente a um terço do PIB da Alemanha em reparações pela ocupação nazista.
É letra morta, dado que a União Soviética foi a depositária das indenizações de todo o Leste Europeu após a derrota alemã. Os poloneses, que ressentem os 40 anos em que ficaram como um satélite comunista de Moscou, dizem que não viram o dinheiro, mas nada deve sair disso.
A popularidade do PiS, porém, não vem só do endurecimento, retórico ou não, de sua posição. Desde 2015, o país experimenta um momento econômico de expansão. A taxa de desemprego caiu de 12% para 5%, o PIB manteve um crescimento, com a exceção do tombo pandêmico de 2020, e fechou o ano passado com alta de 5,1%.
Há sinais de alerta, contudo. A inflação está em salgados 8% na taxa anualizada de setembro, e há uma redução na atividade econômica.
Mas nada que tenha impedido o PiS de fazer o maior desfile militar, exibindo seus novos tanques americanos Abrams e outras armas, desde os tempos em que a Polônia era a sede do Pacto de Varsóvia —a Otan comunista. A oposição acusa o governo de exacerbar o militarismo em seu favor.
Na prática, no entanto, se as relações dentro da UE estão estremecidas, os poloneses são voz cada vez mais ativa e respeitada no clube militar da Otan. O país de 38 milhões de habitantes é uma das chaves para o futuro da Europa, diz um dos papas da geopolítica americana, George Friedman, para bem ou para mal.