Anfitriã da cúpula do G7 e em alta após o bom desempenho na eleição do Parlamento Europeu, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, travou uma disputa diplomática nos bastidores do encontro em relação à inclusão do direito ao aborto no documento final da reunião, que foi divulgado nesta sexta-feira (14).
Depois de dois dias de vazamentos de rascunhos e de desmentidos, a versão final do documento excluiu qualquer menção direta ao aborto. O tema havia sido inserido na declaração do G7 anterior, no Japão. A não inclusão no documento deste ano foi considerada uma vitória da conservadora Meloni, cuja posição teria sido criticada por diplomatas da França e da Alemanha em meio às negociações da cúpula.
O texto, desta vez, menciona os “direitos sexuais e reprodutivos abrangentes para todos”. “Reiteramos os nossos compromissos no comunicado dos líderes de Hiroshima relativamente ao acesso universal a serviços de saúde adequados, acessíveis e de qualidade para as mulheres, incluindo saúde e direitos sexuais e reprodutivos abrangentes para todos”, diz o documento.
Em outro trecho, os signatários do documento defendem a promoção “da saúde materna, neonatal, infantil e de adolescentes, em especial aqueles que se encontram em circunstâncias vulneráveis”.
No Japão, a referência era bem mais direta, com a citação da palavra: “Reafirmamos o nosso total compromisso em alcançar saúde e direitos sexuais e reprodutivos abrangentes para todos, nomeadamente abordando o acesso ao aborto seguro e legal e aos cuidados pós-aborto”.
A chegada até a versão mais recente foi marcada pela troca de acusações entre os países, especialmente entre Itália e França, com pressão também dos Estados Unidos.
O que se sabe é que no início da reunião de cúpula, em algum momento, a referência ao aborto legal e seguro saiu do texto preparativo. Paris, depois seguida por outros, acusou Roma de ter atuado para suprimir o trecho. O governo italiano negou e disse que as conversas sobre a redação ainda estavam em andamento.
Diante da ameaça dos americanos de não referendar o documento, a saída encontrada teria sido o uso da expressão “direitos reprodutivos”.
Nos bastidores, a direitista Meloni, que defende valores conservadores em relação ao aborto e às famílias LGBTQIA+, acusou o presidente francês, Emmanuel Macron, de estar fazendo campanha eleitoral com o texto do G7, em uma referência ao pleito legislativo, antecipado por ele após seu revés na disputa pelo Parlamento Europeu. A legenda de Macron recebeu metade dos votos da oposicionista Marine Le Pen, de ultradireita, que tem buscado se aproximar de Meloni.
Legalizado em 1975 na França, o aborto, desde que consentido até 14 semanas de gravidez, passou a ser um direito garantido na Constituição no ano passado, em uma passagem política celebrada por Macron.
Na Itália, o aborto foi legalizado três anos depois, em 1978. As mulheres podem fazer a interrupção voluntária da gravidez com até 90 dias de gestação.
Em declarações passadas, Meloni já disse não ser contra a legislação vigente na Itália, mas que defende ênfase a outro trecho da mesma lei, que fala de prevenção ao aborto.
Em abril, uma medida apresentada pelo partido da primeira-ministra e aprovada pelo Parlamento encoraja grupos ativistas contra o aborto a atuar em centros de aconselhamento familiar.
O debate em torno do aborto no G7 ocorre ao mesmo tempo em que no Brasil se discute o PL 1904, que tramita em regime de urgência na Câmara. Pelo texto, uma mulher que tiver uma gestação resultante de estupro e realizar o aborto após a 22ª semana pode vir a ter uma pena maior que a de seu estuprador.
A ideia é equiparar a punição à de homicídio simples, que pode chegar a 20 anos. A pena valeria tanto para grávidas quanto para quem realiza o procedimento. O projeto tem sido alvo de protestos de entidades de defesa dos direitos reprodutivos.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia o risco de se posicionar contrariamente ao projeto de lei, considerando que sua aprovação é tida como quase certa. Questionado nesta quinta (13) em Genebra, após discurso na OIT (Organização Internacional do Trabalho), Lula foi cauteloso: “Deixa eu voltar para o Brasil e tomar pé da situação”, declarou.
Também nos EUA, o aborto está em debate nesta semana. Nesta quinta (13), a Suprema Corte manteve o direito de acesso a uma pílula usada para interromper a gravidez.