O prolongamento da Guerra da Ucrânia, com o avanço de novas tecnologias e a crescente escassez de recursos dos combatentes, tem criado uma geração de armamentos improvisados, como os tanques “tartaruga” usados por Moscou e os “Frankenstein”, oferecidos a Kiev por uma empresa alemã.
Ambos são respostas à disseminação dos chamados dones FPV (sigla inglesa para visão em primeira pessoa), equipamentos baratos, extremamente ágeis e que geralmente carregam uma pequena carga bélica sendo guiados por uma câmera.
Tanto russos quanto ucranianos empregam largamente esses modelos, que levam terror a soldados nas linhas de frente.
Em relação a tanques outros blindados, desde o começo da guerra e em conflitos como o de Gaza passaram a adotar gaiolas e “telhados” rudimentares para desviar impactos diretos de drones. Ocorre que, como são mais manobráveis devido à visão proporcionado ao operador, os FPV conseguem se imiscuir por entre aberturas nas estruturas.
A partir de abril deste ano, foram registrados então os primeiros “tanques tartaruga” russos. Em vez de grades e gaiolas, eles são protegidos por grandes estruturas metálicas, muitas vezes totalmente fechadas, dando a eles a aparência quelônia que virou meme nas redes sociais.
Nesta segunda (17), as Forças Armadas da Ucrânia publicaram a foto da primeira captura de um modelo do tipo, em Klischviivka, em Donestk, um dos pontos mais agudos dos 1.000 km de frente de batalha no país invadido em 2022.
Era um T-62M, versão modernizada de um tanque que deixou de ser produzido em 1975, provavelmente retirado dos estoques da Rússia. Ele estava contido dentro de uma grande caixa de blindagem soldada de forma rústica, com escotilhas para os motoristas do veículo e apenas seu canhão visível.
Alguns modelos captados em vídeos de redes sociais parecem ser usados como unidades de guerra eletrônica, com antenas e bloqueadores de sinais para atrapalhar a guiagem de drones e mísseis americanos usados por Kiev.
Já do lado ucraniano, que nesta guerra empregou até drones feitos de papelão contra alvos na Rússia, a próxima novidade deverá ser o tanque “Frankenstein” —o apelido já colou nos meios militares e repete o erro comum de chamar o monstro feito de diversos pedaços humanos o clássico de Mary Shelley em 1818 pelo nome de seu criador na ficção, Viktor Frankenstein.
É uma oferta da gigante militar alemã Rheinmetall, que fabrica os tanques da série Leopard, o principal modelo ocidental doado para a Ucrânia.
Segundo o chefe de sistemas terrestres da empresa, Björn Bernhard, está tudo pronto para adaptar canhões antiaéreos Skyranger 35 no lugar da torre de antigos tanques Leopard-1, modelo antigo do blindado, que é operado por países como o Brasil.
O arranjo já existe nos tanques antiaéreos Gepard, dos quais 46 foram dados pela Alemanha, Dinamarca e Holanda para Kiev na guerra. Eles utilizam o chassi de Leopard-1 com canhões mais antigos. Mas seus estoques acabaram, e não há disposição de governos neutros que também o operam, como o brasileiro, de enviar suas unidades para a guerra.
“Ainda há vários tanques Leopard-1 nos quais podemos colocar a torre Skyranger com o canhão de 35 mm”, disse Bernhard ao jornal alemão Bild. Com isso, à exemplo do monstro da ficção, um “corpo antigo” ganhará um “braço” moderno.
Os Leopard-1 pararam de ser fabricados em 1984, e ainda há diversos em estoques pela Europa. Um número incerto deles já está na Ucrânia: foram autorizadas 135 transferências, mas na virada do ano o britânico IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, na sigla inglesa) contava apenas 20 operacionais.
Já seu irmão mais novo, o Leopard-2, teve ao menos 60 unidades enviadas em diversas versões. Segundo o site de monitoramento de perdas militares a partir de imagens comprovadas Oryx, 31 deles foram destruídos —ante apenas uma unidade do Leopard-1.
O alto índice de perdas do tanque americano M1A1 Abrams, versão mais antiga do blindado mais poderoso do mundo, obrigou Kiev a retirá-lo da linha de frente neste ano para passar por adaptações.
Segundo o Oryx, 10 dos 31 Abrams enviados foram perdidos, ao menos um deles capturado e exibido no centro de Moscou como troféu de guerra. O vilão, novamente, é o drone, algo que não era empregado amplamente quando tais tanques foram desenhados.
Os Abrams agora ganharam gaiolas de proteção e, num dano considerável à imagem de imbatíveis em campo de batalha devido à sua forte blindagem, camadas da blindagem reativa soviética Kontak-1. São tijolos com carga bélica que explodem quando atingidos por munição ou drones, ajudando a desviar um impacto direto no casco.
As perdas devido ao emprego de drones e munição guiada nesta guerra colocaram o papel dos tanques em xeque em diversos momentos, mas o fato é que eles seguem sendo empregados maciçamente no conflito. Artilharia pode varrer o inimigo, mas blindados são essenciais para o domínio territorial e apoio à infantaria.
Segundo o Oryx, os russos já perderam 1/3 dos mais de 3.000 tanques ativos que tinham antes do conflito, e estão drenando modelos antigos de seus vastos estoques soviéticos, o que implica as gambiarras para aumentar sua capacidade sobreviver em campo. Peças de museu como o T-55, dos anos 1950, já foram vistos como kamikazes, sendo jogados sem tripulação contra trincheiras.
Já a Ucrânia perdeu o equivalente a quase toda sua frota pré-guerra, de pouco mais de 900 tanques, mas recebeu reforços.