A cúpula convocada pela Suíça para discutir uma saída para a Guerra da Ucrânia começou neste sábado (15) sob o signo do desânimo, refletindo as divisões mundiais acerca da fórmula para encerrar a invasão russa ordenada por Vladimir Putin em 2022.
“Muitas questões de paz e segurança serão discutidas, mas não as maiores”, afirmou o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, ao chegar à conferência, que ocorre em um resort à beira do cênico lago Lucerna, em Obbürgen, sem ter a agressora Rússia como convidada.
O tom não podia ser mais morno. “Esta é uma plantinha que precisa ser regada, mas é claro que com uma perspectiva de que algo mais sairá disso”, completou o alemão.
Seu colega austríaco, Karl Nehammer, afirmou que “é como se nós estivéssemos em uma câmara de eco ocidental”. “Todos concordamos com o que queremos que aconteça na Ucrânia, mas isso não é o suficiente.”
Integrante de um regime que tem boa relação com Putin, o chanceler saudita, Faisal bin Farhan al-Saud, disse que apenas a participação da Rússia tornará negociações críveis. “Elas vão requerer meios-termos difíceis”, afirmou.
A própria composição do encontro lhe garante o status de uma reunião de apoiadores da Ucrânia —a começar pelo fato de que a Rússia não foi convidada. Dos 160 países chamados, 90 enviaram delegações, 37 delas lideradas por chefes de Estado ou de governo.
O presidente francês, Emmanuel Macron, foi ao ponto ao dizer que é necessário aumentar o número de países envolvidos no processo, mas não citou a Rússia entre eles.
Dois Estados, Brasil e Vaticano, enviaram apenas um observador cada um. No caso brasileiro, a presença da embaixadora do país na Suíça é uma deferência a seu voto na ONU condenando a invasão, mas estampa a visão do Itamaraty de que não há solução sem que russos e ucranianos sentem-se à mesa. Outras seis organizações internacionais enviaram delegações, e duas, observadores —inclusive as Nações Unidas.
A visão brasileira é defendida pela China, maior aliada de Putin e principal ausência na Suíça. Na sexta-feira (14), um representante chinês na ONU disse que apenas uma negociação dentro do Conselho de Segurança da entidade, com Kiev e Moscou presentes, pode ter sucesso.
Os Estados Unidos, principais fiadores do apoio militar a Kiev, enviaram apenas a vice-presidente, Kamala Harris, ao encontro. O prêmio de consolação ante o desprestígio, já que Joe Biden estava na Itália para o encontro do G7, foi a assinatura de um acordo militar pomposo, mas de execução duvidosa, entre o presidente americano e seu colega ucraniano, Volodimir Zelenski.
Kamala também anunciou uma ajuda extra, de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 8 bilhões), para ajudar a reconstruir o sistema energético da Ucrânia. Neste sábado, os russos deixaram parte da região de Tchernihiv (norte) no escuro, em mais um ataque contra centrais elétricas.
Antes da sessão plenária da conferência, Zelenski previsivelmente preferiu uma fala olhando o copo meio cheio, celebrando a presença dos 90 convidados. “A Ucrânia nunca quis essa guerra”, disse ele ao lado da presidente suíça, Viola Amherd.
Com efeito, a ideia ventilada pelo seu assessor Andrii Iermak ao longo da semana era de que a conferência aprovasse um rascunho de proposta de paz para ser apresentada em uma segunda reunião, esta com a presença da Rússia.
O texto-base elaborado neste sábado repete pontos da fórmula de dez itens que Zelenski apresentou em 2022, uma lista de exigências sem concessões à Rússia, adicionando críticas a Moscou e a ênfase na inadmissibilidade do emprego de armas nucleares.
Putin tem seus próprios planos. Além de qualificar o encontro suíço como “fútil”, o russo criou um fato político na sexta ao apresentar pela primeira vez de forma clara uma demanda para acabar com a guerra.
O presidente diz que interrompe os combates e começa a negociar se a Ucrânia aceitar ceder as quatro regiões que o Kremlin anexou ilegalmente em setembro de 2022, ainda que não exerça controle militar total sobre elas. Nenhuma palavra sobre a Crimeia, tomada pelo russo em 2014.
Além disso, a Rússia exige a neutralidade do vizinho e sua desmilitarização. Como mostrou reportagem deste sábado do jornal The New York Times que traz à tona documentos das negociações entre Kiev e Moscou do começo da guerra, o tamanho das forças ucranianas foi um dos pontos em que as conversas encalacraram.
Passados mais de dois anos, tendo recebido grande quantidade de material militar e, agora, autorização para empregá-lo em solo russo, a demanda soa tão inaceitável ao ouvidos de Zelenski quanto concessões territoriais —o ucraniano até editou um decreto proibindo negociar com a Rússia enquanto Putin for presidente.
Kiev e os aliados rejeitaram o plano de Putin, que Scholz afirmou não “ser sério”. O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, afirmou no evento que a ideia era “absurda”. Já o Kremlin criticou a reação em uníssono dos rivais, que chamou de “pouco construtiva”.
A reunião na Suíça acaba neste domingo (16). Serão discutidas segurança nuclear, exportação de grãos e questões humanitárias.