Um grupo de 28 brasileiros que pediu ao Itamaraty para ser removido da Faixa de Gaza segue retido na região. Segundo o embaixador brasileiro na Cisjordânia, Alessandro Candeas, eles estão à espera de um acordo para que o governo egípcio permita a entrada dos refugiados, além da anuência israelense de seu lado da fronteira.
Com isso, as negociações chegaram ao quinto dia, embora a etapa mais tensa do processo, que foi a remoção de 16 brasileiros da cidade de Gaza após Israel dar um ultimato para tal na sexta (13), já tenha sido ultrapassada.
A saga na desértica região começou com os ataques terroristas do grupo palestino Hamas, que governa Gaza após expulsar seus rivais do Fatah em 2007, no sábado retrasado (7). A previsível reação israelense tornou-se a maior operação de guerra do país em 50 anos.
Toda a região da Faixa de Gaza foi bombardeada incessantemente, e na quarta (11) o governo brasileiro acabou de fazer o pente-fino na comunidade de talvez 40 cidadãos na região. Trinta deles pediram para serem evacuados inicialmente.
O grupo mais vulnerável, ao fim de 16 pessoas, estava na capital homônima da faixa. Essas pessoas, incluindo 10 crianças, foram levadas para uma escola católica, a Rosary Sisters School, que fica quase no fim da periferia da capital, ao sul.
Como o local já havia sido alvo de um bombardeio israelense em 2021, por supostamente abrigar terroristas, o Escritório de Representação do Brasil em Ramallah (Cisjordânia) informou as IDF (Forças de Defesa de Israel) sobre a natureza do grupo reunido. “Precisávamos evitar um ataque”, disse o embaixador.
A tensão cresceu, como vídeos divulgados pelos presentes mostravam. Na sexta-feira (13), quando Israel determinou que 1,1 milhão de habitantes ao norte do rio que marca o limite da capital rumassem ao sul para evitar morrer em sua prevista invasão terrestre de Gaza, o pânico se instalou.
Candeas trabalhou então para levar o grupo ao sul. O local mais óbvio era a comunidade de Khan Yunis, onde havia outros 12 brasileiros inscritos para deixar Gaza. Enquanto isso, o Itamaraty, assim como as chancelarias de diversos países, negociava com o Egito a passagem de seus cidadãos —os EUA, por exemplo, têm mais de 500 em Gaza.
Um comboio internacional foi combinado para deixar a região no sábado (14), mas ataques israelenses em Khan Yunis atrasaram a saída dos brasileiros. Após um dia todo de tensão, eles enfim deixaram a Rosary Sisters School, onde as explosões na vizinhança haviam se tornado uma constante.
Em vez de ficar com os outros brasileiros, o grupo foi direcionado para uma casa alugada em Rafah, a cidade que faz fronteira com sua homônima no Egito. A etapa mais tensa da viagem transcorreu sem incidentes, e as IDF foram avisadas novamente acerca da localização do grupo.
Mas a saída para o Egito não ocorreu, dado que não houve acerto entre o governo no Cairo e o de Tel Aviv —segundo Candeas, o aviso desmantelando o comboio na última hora foi dado pelos israelenses, que controlam a “porta de saída” de Gaza, enquanto os egípcios operam a “de entrada” e seu país.
O impasse continua, assim como a pressão internacional. Além do Brasil, se manifestaram para retirar cidadãos os EUA, a União Europeia, Filipinas, Noruega, Turquia e Ucrânia.
No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conversou com o seu colega egípcio, Abdul Fattah al-Sisi, afirmando que os brasileiros seriam evacuados imediatamente. Os egípcios alegam problemas de segurança dados os bombardeios, o que demanda coordenação com Israel.
O Itamaraty acredita que será possível remover o grupo todo por Rafah até esta segunda (14), mas a situação tende a se agravar, dado que a cidade já está abarrotada de outros palestinos com dupla cidadania tentando deixar Gaza. Na mais recente atualização dos grupos, são 22 brasileiros, 3 imigrantes palestinos e 3 palestinos com residência no Brasil.
Desses, 10 (3 homens, 3 mulheres e 4 crianças) estão em Rafah e 18 (3 homens, 5 mulheres e 10 crianças), em Khan Yunis. Todos têm sido atendidos por uma psicóloga de Gaza, que envia mensagens diárias via WhatsApp.
Se conseguirem deixar a região, os brasileiros deverão ser recolhidos por um avião Embraer-190 da Presidência, que foi deslocado para Roma e aguardava autorização para pousar no aeroporto de Al Arish, a 45 km de Rafah.
O problema para o autoritário Sisi, no poder desde o golpe que derrubou o governo eleito da Irmandade Muçulmana, uma das origens do Hamas, em 2014, é a questão dos refugiados. O país terá eleições em dezembro. Ele tem insistido mais na questão de coordenar a ajuda humanitária a Gaza, tema de reunião com representantes turcos neste domingo.
Em crise econômica, o Egito passou os últimos anos ensanduichado por guerras civis, nos vizinhos Líbia, Sudão e Etiópia. Com isso, tem hoje 290 mil refugiados registrados pela ONU para uma população de 110 milhões de pessoas. Apesar de ser um país grande, com área próxima à do Pará, 95% de seus habitantes mora na estreita faixa fértil que acompanha o rio Nilo de norte a sul.
Além da questão humanitária, Sisi sabe que dificilmente os palestinos de Gaza que conseguirem migrar voltarão a suas casas. O governo de Israel já disse que a destruição que prevê para o Hamas implica a criação de áreas-tampão entre o que sobrar de Gaza e seu território. Politicamente, é um desastre de imagem para o mundo árabe.
Cerca de 200 mil palestinos haviam pedido à ONU para deixar Gaza antes do ultimato israelense. Agora, não se sabe quantos são ao todo, mas talvez metade dos 2,3 milhões de habitantes da faixa já deixaram suas residências.
Enquanto isso, prossegue a operação complexa, mas menos arriscada, da retirada dos 2.700 brasileiros que haviam se inscrito para a evacuação e estavam em Israel —60% deles, turistas. Mais um voo com repatriados chegou ao país neste domingo (15).