O avanço das forças de Vladimir Putin no leste da Ucrânia, que segundo os Estados Unidos configuram uma nova ofensiva da guerra, ameaçam toda a linha defensiva na região com um colapso que pode implodir de vez a contraofensiva que Kiev iniciou em junho.
Segundo disse neste sábado (14) o general Oleksandr Sirskii, chefe das forças terrestres ucranianas, “a situação piorou significativamente” na região. Na véspera, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby, disse que os russos retomaram de vez a iniciativa na invasão iniciada em fevereiro de 2022.
A situação começou a se configurar nesta semana, quando ficou claro o novo esforço russo contra a cidade de Avdiika, que desde 2014 estabelecia o ponto de contato entre Kiev e as forças separatistas pró-Moscou que começaram uma guerra civil estimuladas por Putin para evitar que a Ucrânia, cujo presidente simpático ao Kremlin havia sido derrubado, ingressasse na esfera europeia.
O local fica ao norte de Donetsk, a capital regional da província homônima, que compõe com Lugansk a área histórica do Donbass. A ofensiva complementava a tentativa, essa em curso desde o fim de julho, de Moscou avançar no nordeste do país, na região de Kharkiv, mais ao norte.
Isso configuraria um movimento de pinça clássico, visando cercar o grosso das forças ucranianas em Donetsk, área que Putin anexou ilegalmente no ano passado, mas da qual só controla cerca de 55%.
Sirskii descreveu parte disso ao visitar soldados na frente de batalha. Ele apontou para a gravidade da situação na direção de Kupiansk, em Kharkiv. “O principal objetivo do inimigo é derrotar o grupamento de nossas tropas, cercar Kupiansk e chegar ao rio Oskil”, afirmou. Olhando o mapa, é o necessário justamente para tentar uma tática de envelopamento das forças de Kiev em Donetsk.
Mais importante, contudo, é o “timing” da ação russa. A janela para operações de maior porte está se fechando devido às condições climáticas —chuvas de outono e o congelante inverno do Hemisfério Norte na região.
Isso já trazia um senso de fracasso para a contraofensiva que Volodimir Zelenski lançou com pompa em 4 de junho, amparada no recebimento de equipamento ocidental como tanques alemães Leopard-2 e no treinamento de diversos batalhões por forças da Otan (aliança militar liderada pelos EUA).
Houve avanços pontuais, mas as fortes linhas defensivas estabelecidas pelos russos basicamente impediram o emprego de blindados avançados, e os ucranianos tiveram de lidar com incursões com grupos pequenos por meio de campos minados e sob fogo.
O maior sucesso ocorreu na região de Zaporíjia (sul), mas mesmo assim foi travado antes que pudesse se tornar uma ação decisiva rumo a Melipotol e ao litoral do mar de Azov, cortando assim a ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia anexada também em 2014, após a mudança do governo em Kiev.
Nos últimos meses, as dificuldades de Zelenski levaram a uma série de críticas de seus aliados ocidentais, irritados com o constante pedido por mais armas do ucraniano. O fato é que ele recebeu o suficiente para se defender bem, mas não para um avanço significativos —o que sugere a eficácia das ameaças de escalada nuclear feitas de tempos em tempos pela Rússia, que considera que o Ocidente luta uma guerra por procuração.
Com efeito, na sexta o diplomata russo Vassíli Nebenzia disse na ONU que “a dita contraofensiva ucraniana pode ser considerada acabada”. Exagero à parte, sem tantas reservas para mobilizar na direção de Avdiika e Kupiansk, Kiev lida com o risco de ter de se entrincheirar.
Também no reino da especulação, uma eventual vitória em Donetsk poderia levar Putin, que não teve condições de atingir seu objetivo de subjugar toda a Ucrânia, a eventualmente cessar os combates em seus termos, alegando vitória e aproveitando o fastio ocidental com a guerra. Isso esbarraria na oposição de Kiev, contudo.
Kirby afirmou que ainda confia numa virada ucraniana, mas a realidade não parece estar muito a favor de Zelenski, que já enfrenta um calendário político adverso na órbita da Otan. Forças pró-Rússia formaram um governo na Eslováquia, a Polônia vai às urnas no domingo (15) cada vez mais distante do vizinho e os EUA estão em plena batalha sobre a continuidade da ajuda militar à Ucrânia.
Para completar o azedume em Kiev, a guerra entre Israel e o Hamas monopoliza as atenções do Ocidente e da mídia, o que provoca um evidente impacto na moral ucraniana.