O Brasil negocia com os demais membros do Conselho de Segurança da ONU um documento que pede a adoção de medidas para impedir uma crise humanitária na guerra de Israel contra o Hamas. O texto em discussão também deve conclamar as partes a adotar um cessar-fogo, a preservar a população civil e a respeitar o direito humanitário, incluindo a proteção dos profissionais que prestam auxílio a civis.
O Brasil ocupa neste mês a presidência rotativa do conselho. O desfecho das negociações é considerado imprevisível tanto pelas divergências de posição entre os integrantes do colegiado como pela evolução dos acontecimentos na Faixa de Gaza.
Um diplomata com conhecimento do tema avaliou que é possível que a redação traga um repúdio a “ataques terroristas” —embora ainda não esteja claro se diferentes posições entre EUA, China e Rússia permitirão ou não a responsabilização direta do Hamas como culpado por esses atos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou essa expressão em sua primeira manifestação sobre as ações contra civis israelenses cometidas pela facção terrorista palestina, mas foi criticado por não mencionar expressamente o Hamas. Na última quinta (12), após conversa com seu homólogo israelense, Isaac Herzog, Lula voltou a falar em “ataques terroristas”, mas novamente sem citar o grupo que controla a Faixa de Gaza.
A negociação do texto pelo Brasil foi revelada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.
Ainda não há definição sobre o formato do documento. Ele pode ser tanto uma resolução —que tem caráter vinculante para todos os membros da ONU e é uma manifestação mais forte do conselho— como uma declaração da presidência.
Uma invasão terrestre de Gaza pelas Forças de Defesa de Israel e a escalada do número de mortos e feridos civis são fatores que certamente trarão reflexos sobre as negociações, disseram diplomatas à Folha.
A expectativa é tentar analisar o texto em sessão no conselho já na próxima semana.
Um dos pontos que deve gerar atrito nas conversas é justamente se será possível ou não condenar o Hamas na redação final. Na sexta-feira (13), a Rússia apresentou um projeto de resolução pedindo por um cessar-fogo humanitário e pela liberação dos reféns. A proposta, no entanto, sequer mencionava o Hamas e não encontrou respaldo entre os demais membros do conselho, segundo informou a agência Reuters.
A segunda hipótese requer consenso de todos os 15 integrantes do colegiado. Já a resolução precisa do voto de 9 dos 15 integrantes. Os detentores de assentos permanentes têm direito a veto. São eles: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
Além do Brasil, os integrantes não permanentes hoje são: Albânia, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes Unidos.
Israel sofreu no último final de semana o maior ataque em 50 anos, que deixou 1.300 pessoas mortas. Como resposta, Tel Aviv apertou o cerco militar contra a Faixa de Gaza e desencadeou uma campanha de bombardeio ao território controlado pelo Hamas —grupo terrorista responsável pelos ataques. Ao todo, morreram até o fim da tarde deste sábado (14) 2.215 palestinos na reação israelense.
Órgão mais importante da ONU, o Conselho de Segurança já realizou duas reuniões sobre a crise que eclodiu no último fim de semana. A avaliação após os dois encontros é que a situação é extremamente sensível e ainda está longe de se chegar a posições de consenso ou mesmo de maioria.
Após um encontro de consultas na sexta-feira (13), o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, disse que seguiria trabalhando de perto “com todas as delegações em busca de uma posição unificada do conselho em relação à situação”.
“O Brasil continuará a promover o diálogo entre os membros e ação por parte do conselho por meio da abertura de avenidas de negociação possíveis. O objetivo imediato é claro: impedir mais derramamento de sangue e a perda de vidas; e tentar garantir acesso humanitário urgente e desimpedido às áreas afetadas. A lei internacional humanitária e a lei internacional de direitos humanos são um guia claro em relação ao que precisa ser feito. Uma pausa humanitária é urgente, assim como o estabelecimento de corredores humanitários para o acesso a Gaza.”