Após uma nova corrida do dólar às vésperas da eleição na Argentina, o presidente Alberto Fernández denunciou à Justiça Federal nesta quarta (11) o candidato ultraliberal Javier Milei e dois de seus aliados próximos por “intimidação pública” ao recomendarem que o argentino não economize ou invista usando a moeda nacional.
“Jamais em pesos, o peso é a moeda emitida pelo político argentino, portanto não vale nem excremento, esses lixos não servem nem como adubo”, repetiu o deputado e economista nesta segunda (9) em uma entrevista à rádio Mitre, onde lhe perguntaram qual conselho daria a alguém cujos investimentos em pesos estão prestes a vencer. Ele já havia dado declarações parecidas em outras ocasiões.
A cotação do dólar já vinha subindo em ritmo acelerado há duas semanas no mercado paralelo, que lastreia os preços no país. Mas nesta terça-feira (10) disparou e ultrapassou os 1.000 pesos, o que significa que a nota mais comum em circulação no país, na prática, já não compra nem US$ 1 ou R$ 5.
Isso jogou mais tensão sobre as eleições, que ocorrem no próximo dia 22, e intensificou a troca de acusações sobre de quem é a culpa. O ministro da Economia e candidato pelo peronismo, Sergio Massa, afirma que Milei está gerando uma corrida ao dólar ao prometer dolarizar o país e eliminar o Banco Central caso seja eleito.
“[As falas] constituem um grave ultraje ao sistema democrático que nos governa como nação, resultando assim em uma gravidade institucional sem precedentes para a República”, argumenta a acusação apresentada por Fernández.
Milei então, passou a repostar nas redes sociais diversas mensagens de apoiadores dizendo que a responsabilidade é dos últimos governos, principalmente kirchneristas, e convocou uma entrevista coletiva sobre a denúncia para o fim da tarde. “Uma Argentina diferente é possível em liberdade”, publicou em letras maiúsculas, como costuma fazer, junto a um vídeo de campanha.
Ele também já havia apresentado uma medida cautelar contra o governo na Justiça Federal, na semana passada, para que se suspendessem contratações, licitações e nomeações feitas pela gestão de Fernández às vésperas da eleição, que segundo ele “comprometem os recursos do Estado para além do mandato do atual presidente”
A denúncia desta quarta contra Milei inclui ainda Ramiro Marra, candidato ao governo da cidade de Buenos Aires, e Agustín Romo, candidato a deputado provincial e diretor de comunicação digital da coalizão A Liberdade Avança.
“Hoje mais do que nunca: não poupe em pesos. Cuide do seu dinheiro, te custou muito ganhá-lo”, escreveu Marra no dia em que o dólar alcançava os 1.000 pesos, seguido por Romo —que foi quem, em 2021, quando Milei ainda concorria a deputado nacional, aproximou da campanha os jovens influenciadores que trabalham até hoje para viralizar seus conteúdos.
Depois da denúncia, ambos também reagiram com minutos de diferença: “Inédito. O ‘presidente’ apareceu. Lamentavelmente, para fazer tolices e não para governar”, publicou Marra. “O Presidente da Nação acabou de me denunciar. Passei a minha vida inteira me preparando para este momento”, postou Romo. A Folha os procurou, mas não teve resposta.
Grande parte dos economistas e bancos apontam as promessas de dolarização de Milei como o principal motivo para a explosão do câmbio, mas também citam flexibilizações do governo e possíveis ações especulativas do mercado.
“Hoje, sem ser a moeda oficial, o dólar já tem uma demanda enorme e uma oferta muito contraída na Argentina. Se passar a ser a moeda legal, seu valor vai disparar ainda mais, portanto te convém comprar dólares hoje, o que faz o preço subir”, explicou o economista argentino Ignacio Galará, do Centro de Estudos Monetários e Financeiros de Madri.
A crítica central dos especialistas à proposta de Milei é que o país tem reservas baixíssimas —até negativas, segundo estimativas– de dólares nos cofres do governo. Também dizem que, quanto mais alto o valor da moeda estrangeira, mais pobres os argentinos ficarão no momento em que seus salários forem transformados em dólar.
Milei já chegou a afirmar o contrário: que quanto mais valioso estiver o dólar e mais desvalorizado estiver o peso, mais barata fica a dolarização, já que se necessitaria menos moeda estrangeira “para trocar o Monte Evereste de pesos que há no país por um montinho de dólares”, como ilustrou o jornal Clarín.
As perspectivas são de piora nos próximos dias e para depois do primeiro turno. Foi o que ocorreu em agosto, depois do triunfo inesperado de Milei e de uma desvalorização parcial do peso promovida por Massa, atendendo a uma exigência do FMI para liberar empréstimos. Naquela semana, parte das vendas de produtos e serviços chegaram a ser paralisadas, já que não havia referência para os preços.
Finalizado o mês, contou-se uma alta de 12,4% na inflação —somando 124% em um ano—, o que é considerado altíssimo até para os padrões argentinos. As expectativas são de que o número de setembro, que será divulgado na quinta (12), também não fique muito atrás, gerando mais notícias negativas para o ministro da Economia.