Líder que, entre idas e vindas, governou Israel por mais tempo, Binyamin Netanyahu definitivamente sairá enfraquecido da atual guerra do país contra o grupo terrorista Hamas, diz Dov Waxman, diretor do centro de estudos israelenses da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).
Segundo o pesquisador, o conflito desmantela os pilares sobre os quais Bibi —como o premiê é conhecido— construiu sua imagem. “Uma das fontes da força de Netanyahu costumava ser sua alegação de que era o ‘Sr. Segurança’. E isso foi completamente minado pelo que ocorreu agora.”
Esse não é, porém, o único elemento que pesa contra o premiê. Para o autor de “The Israeli-Palestinian Conflict: What Everyone Needs to Know” (conflito israelense-palestino: o que todos precisam saber), publicado pela Oxford University Press, o papel de Netanyahu no fortalecimento do Hamas será talvez o maior fator pelo qual ele será cobrado.
O movimento terrorista, que surgiu em meados dos anos 1980 após o início da Primeira Intifada, tem crescido em popularidade nos últimos anos em detrimento do Fatah —o partido no poder da Autoridade Palestina, espécie de governo de transição estabelecido em acordo com a comunidade global cerca de três décadas atrás.
Ao contrário do governo legitimado internacionalmente, o Hamas prega uma ideologia islâmica extremista e o uso de resistência armada, em vez de negociações, para a criação de um Estado da Palestina. Também diferentemente dos rivais do Fatah, não reconhece Israel.
Waxman diz que o que Netanyahu fez foi permitir que o Hamas expandisse sua atuação em Gaza para, indiretamente, minar a legitimidade na Autoridade Palestina na Cisjordânia. “Havia uma percepção entre a direita israelense de que o Hamas poderia ser útil para demonstrar que não havia ninguém disposto a negociar a paz na região.”
O pesquisador acrescenta que Bibi também foi o responsável por abrir uma janela de oportunidade para o ataque massivo da facção terrorista. O professor se refere à polarização criada pela proposta de seu governo de diminuir a autonomia da Suprema Corte, em um pacote que enfrentou forte oposição das ruas, da comunidade global e mesmo do Exército —reservistas ameaçaram cruzar os braços se o plano avançasse.
“A percepção dessas divisões e dessa turbulência interna em Israel foi provavelmente algo que encorajou o Hamas a atacar, porque ele sentiu que havia vulnerabilidade suficiente”, diz Waxman.
Há ainda consequências adicionais que podem prejudicar o premiê a depender da estratégia militar que Israel decidir usar nesta nova guerra, afirma o acadêmico. Para ele, duas medidas em especial poderiam ser fatais para Tel Aviv: seguir com violência em larga escala contra os palestinos ou, ainda mais grave, decidir invadir por terra a Faixa de Gaza e ocupá-la.
Waxman diz temer que a resposta de Israel seja indiscriminada, quando o ideal é que ela afete ao mínimo a população palestina. “O Hamas não representa todos os palestinos. Qualquer forma de simpatia internacional que Israel está recebendo pelo que ocorreu com seus civis rapidamente desapareceria, evaporaria, se as mortes palestinas crescessem na Faixa de Gaza.”
A estratégia militar a longo prazo também será chave, prossegue ele. O professor afirma que, se optar por ocupar Gaza, Israel estará dando um tiro que sairá pela culatra. “Se derrubar o governo do Hamas em Gaza, quem governará? Quem será responsável pelo bem-estar dos palestinos? Qual é o plano para o dia seguinte, se é que existe um?”
Para projetar as consequências de um plano do tipo, Waxman cita outras experiências internacionais de ocupação com resultados desastrosos. É o caso da ocupação americana do Afeganistão que, ao ser subitamente encerrada, em 2021, viu o fundamentalista Talibã retomar o poder e o país mergulhar em um colapso econômico.
“Os EUA venceram a guerra, mas perderam [a oportunidade de conquistar] a paz ao se atolarem numa ocupação de longo prazo, além de enfrentarem uma insurgência”, diz o professor. “E esse é o risco que Israel também enfrenta agora.”
Por mais que preveja o declínio de Bibi, Waxman calcula que a guerra contra o Hamas pode levar ao fortalecimento da ultradireita que hoje compõe a coalizão governista. Para ele, a humilhação que muitos israelenses estão sentindo nesse momento pode tornar parte da população mais radical e, com isso, mais inclinada a tendências conservadoras extremas.
A coligação ultradireitista Sionismo Religioso, que integra o atual governo, defende a ampliação do número de assentamentos israelenses em áreas palestinas ocupadas e a escalada da repressão nesses territórios. A ONU atribuiu a crescente violência entre israelenses e palestinos a ações como essas reiteradas vezes.