Na semana passada, um deputado americano teve o carro roubado enquanto dirigia para casa, em Washington. Três homens armados renderam o democrata Henry Cuellar e levaram também um iPad, um celular e até o jantar do político –um prato de sushi.
Não foi um incidente isolado. O número de roubos e furtos de veículos de janeiro a outubro no Distrito de Columbia, onde fica a capital americana, subiu 105% em comparação com o mesmo período do ano passado. Homicídios e roubos também subiram 38% e 70%, respectivamente.
Alarmada, a cidade voltou a adotar um toque de recolher para adolescentes no mês passado. De domingo a quinta, os menores de 17 anos de idade não podem estar sozinhos na rua entre 23h e 6h. Às sextas e aos sábados, o horário vai de 0h01 às 6h.
Nesta segunda (9), Olivia Dunn, 25, encontrou uma das janelas do seu carro estilhaçada —pela segunda vez em oito meses. “Washington costumava ser uma cidade muito segura e eu sempre me senti confortável andando sozinha”, diz ela, que mora na capital americana desde os 18 anos. “Agora eu fico em casa à noite e checo e recheco se todas as portas estão trancadas.”
“Eu moro no mesmo bairro que uma juíza da Suprema Corte [Sonia Sotomayor]. Eu não deveria ter que me preocupar com a minha casa ser invadida ou meu carro ser vandalizado”, afirma a funcionária do Museu de História Natural do Smithsonian.
A notícia do roubo do carro do deputado veio na semana seguinte ao anúncio de fechamento de nove lojas em quatro estados pela rede Target. A empresa atribuiu a decisão ao número crescente de furtos –que estão em um nível “inaceitável”, afirmou o CEO, Brian Cornell, em uma conversa recente com analistas.
“Nós vamos parar imediatamente com todos os saques e roubos. É muito simples: se você roubar uma loja, espere levar um tiro quando estiver saindo dela”, disse o ex-presidente Donald Trump em um evento na Califórnia no final de setembro.
Dados nacionais sobre criminalidade são agregados pelo FBI, mas uma mudança recente na metodologia de coleta prejudicou as estatísticas –muitas localidades ainda não se adaptaram ao novo sistema, o que distorce os resultados.
Assim, o retrato mais recente disponível sobre a criminalidade nos EUA, com dados até junho deste ano, vem de um levantamento feito pelo think tank Conselho de Justiça Criminal a partir de dados de 37 cidades.
Segundo a pesquisa, muitos crimes ainda estão em nível acima do registrado antes da pandemia, como roubo de carros (que cresceu 104% em relação a 2019), agressão com arma de fogo (39%) e homicídio (24%). No entanto, quando a comparação é feita com o primeiro semestre de 2022, os dados mostram queda ou estagnação –exceto no caso de roubo de veículos, que cresceu 33%.
Apesar da tendência mais recente de queda, a percepção da população continua sendo de que a violência está aumentando. Uma pesquisa de opinião feita pela Gallup mostra tanto um aumento do percentual de americanos que se dizem muito ou razoavelmente preocupados com o problema, quanto daqueles que se dizem muito insatisfeitos com as políticas adotadas para reduzir a criminalidade –percentual que está em 40%.
Para o especialista em justiça criminal e políticas públicas Udi Ofer, professor da Universidade Princeton que trabalhou como advogado por duas décadas na ACLU (Associação Americana de Liberdades Civis), a discrepância entre percepção e realidade pode ser explicada como uma reação à onda de protestos nos últimos anos, como o Black Lives Matter.
“Há uma confusão entre protestos por direitos civis e crime, como se o movimento Black Lives Matter levasse à desordem, e os liberais que apoiam a reforma da justiça criminal fossem a favor do crime”, diz.
Segundo Ofer, se a tendência na queda de homicídios se mantiver até o final do ano, 2023 vai registrar um recuo anual recordista no crime, da ordem de 12%. Ainda assim, a retórica política –sobretudo republicana– tem apostado em um discurso mais duro contra o crime como uma estratégia eleitoral.
De fato, para 46% dos americanos, o partido de Trump é melhor do que o de Joe Biden quando o tema é resposta à criminalidade –o maior percentual já registrado em 30 anos da pesquisa, encomendada pela NBC. A diferença para os democratas também nunca foi tão grande, de 26 pontos percentuais.
“Estamos vendo uma repetição dos anos 1960, em que as pessoas estão com medo [em razão do aumento de protestos]. E a criminalidade realmente aumentou. Muitas vezes a esquerda ignora esse fato, e é aí que eles estão errados. Mas, ao mesmo tempo, os políticos estão manipulando estatísticas de forma injusta e tirando conclusões que não são apoiadas pelos fatos”, afirma Ofer.
Na visão do professor de Princeton, apesar da crescente aposta de políticos em promessas de maior rigidez no combate à violência –o chamado populismo punitivista–, os eleitores na verdade respondem melhor ao que ele chama de “populismo da segurança”.
“Há muitos estudos e pesquisas que mostram que os americanos estão se tornando menos punitivistas nas últimas décadas”, diz, citando apoio à reforma do sistema de justiça criminal, como redução do encarceramento e do tempo mínimo de pena. “Mas os políticos não se tornaram menos punitivistas.”
“Eu acho que os eleitores estão muito mais sofisticados do que as elites políticas.”