A ofensiva terrorista do Hamas, celebrada pelo Irã, não buscou apenas promover assassinatos e produzir imagens abjetas, pois mirou, no plano geopolítico, as mudanças tectônicas em curso no Oriente Médio, responsáveis por cimentar laços há pouco impensáveis e por colocar em xeque estratégias do autointitulado “eixo da resistência”.
Dirigentes do Oriente Médio, Arábia Saudita à frente, passaram a construir nova fórmula de permanência no poder, desafiados por ventos turbulentos do século 21. Perceberam a crescente perda de importância da economia petrolífera e, com a queda de ditadores após os protestos da Primavera Árabe, uma década atrás, diagnosticaram a importância de gerar empregos para uma população jovem e castigada por escassez de oportunidades econômicas.
Diversificar modelo econômico despontou como imperativo para a preservação desses regimes ditatoriais. O surgimento do mundo multipolar, com ascensão de mais centros de poder, também levou à revisão de políticas externas, por meio da aproximação com China e Índia.
O nascente cenário golpeou a “fórmula do tripé”, prevalente havia décadas em paragens médio-orientais: petróleo na economia, ditadura na política e colocar o conflito israelo-palestino como tema central do mundo árabe. O ditador egípcio Gamal Abdel Nasser, por exemplo, mobilizava centenas de milhares de pessoas nas ruas do Cairo para bradar pela destruição do Estado judeu, e não para debater mazelas socioeconômicas de seu regime.
Da “fórmula do tripé”, dois pilares agora revistos, para preservar o poder de monarcas. Primeiro, um modelo baseado em serviços, como tecnologia, finanças e turismo passa a dividir espaço com a economia petrolífera.
E, segundo ponto, o pragmatismo econômico leva a rever a abordagem do conflito israelo-palestino. A narrativa diversionista de “Israel como a maior catástrofe para o mundo árabe” dá lugar a uma perspectiva de cooperação com o país cujo direito à existência se questiona pelo menos desde a Partilha da Palestina pela ONU, em 1947.
O século 21 golpeou a “fórmula do tripé”, e a necessidade de mudanças remodelou as economias dos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Qatar. Recentemente, chegou a vez de a líder regional, Arábia Saudita, mais conservadora e mais cautelosa, seguir o caminho dos vizinhos.
A partir de 2020, sob a lógica do “novo Oriente Médio”, antigos adversários, como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, assinaram acordos históricos com Israel.
Existe também na aproximação o componente de rivalidades regionais. Países sunitas, como Arábia Saudita e Egito, já ensejavam cooperações com Israel devido a ações do Irã, de maioria xiita, empenhado em ampliar influência no mundo muçulmano.
Dinâmica regional em mutação, israelenses passaram a viajar a Dubai. Diálogo intergovernamental israelo-marroquino se intensificou. Cresceram as expectativas de um acordo de paz entre Arábia Saudita e Israel.
Empenhada na arquitetura de um Oriente Médio menos turbulento e mais atrativo a investimentos, a Arábia Saudita se aproximou também do rival Irã, por meio da retomada de laços diplomáticos em março, numa cerimônia realizada, sinal dos novos tempos, em Pequim.
Teerã, no entanto, demarcou seu limite ao embarque no “novo Oriente Médio”, com apoio aos ataques do Hamas. Desafiado pelos maiores protestos pró-democracia desde sua chegada ao poder, em 1979, a ditadura iraniana se esforça para manter acesa a chama do “discurso revolucionário” de rejeição a Israel e aos EUA.
O Irã e seus aliados do “eixo da resistência”, como o Hamas e o libanês Hezbola, buscam sabotar um Oriente Médio redesenhado pelo pragmatismo econômico e adequação ao mundo multipolar. Teerã, no entanto, vai fracassar na estratégia, pela impossibilidade de parar o relógio da história.
O avanço das relações de Israel com países árabes joga a favor da resolução da questão palestina, com dois Estados para dois povos, obtidos por meio de diálogo. Não é essa a proposta da ditadura iraniana e de seus aliados.