“Olá, prezado Javier Milei. Temos muita coisa em comum”, saudou o ex-presidente Jair Bolsonaro em vídeo gravado no banco de um carro para apoiar o candidato à Presidência da Argentina, dias antes das eleições primárias no país. Os dois, porém, têm diferenças tão significativas quanto suas semelhanças.
Se de um lado o brasileiro se coloca como conservador nos costumes e liberal na economia, do outro o argentino se posiciona como ultraliberal e anarcocapitalista. Se por um lado ambos coincidem sobre armas, aborto e comunismo, por outro divergem sobre família, religião e militarismo. Abaixo, veja em que medida eles se aproximam ou se distanciam em oito temas.
1. Populismo
Muito parecidos
Milei e Bolsonaro compartilham a linguagem, com discursos disruptivos —às vezes
agressivos— e mensagens simplificadas como a de “liberdade”. Também se vendem como figuras antissistema, apesar de terem ocupado cargos no Legislativo, o que se assemelha ainda às campanhas de Donald Trump nos Estados Unidos.
“Os três refletem essa dinâmica de propor soluções simplistas a problemas muito complexos, o que é global e não acontece só pela direita”, analisa Velasco, que diz que eles souberam aproveitar a atual crise de representatividade. Todos eles conseguiram mobilizar massas nas redes sociais e têm o costume de criticar ou atacar os meios de comunicação.
2. Anticomunismo
Muito parecidos
Tanto o argentino como o brasileiro elegeram como inimigo comum o comunismo ou socialismo. Internamente, isso toma a forma do antipetismo, no caso de Bolsonaro, e do antikirchnerismo, no caso de Milei, que fala sobretudo contra uma “casta política”. Já externamente, isso significa um alinhamento com apenas uma parte do mundo.
“Nosso alinhamento geopolítico é com os Estados Unidos e Israel. Essa é a nossa política internacional. Nós não vamos nos alinhar com comunistas”, disse o ultraliberal em agosto criticando a entrada da Argentina no bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ele também já afirmou que, se for presidente, sairá do Mercosul, que chamou de uma “união aduaneira defeituosa”.
3. Meio ambiente
Parecidos
Ambos são conhecidos por serem negacionistas das mudanças climáticas. A frase mais famosa de Milei nessa área foi feita em 2021, quando ele ainda concorria a deputado: “O aquecimento global é outra mentira do socialismo. Há 10 ou 15 anos, discutia-se que o planeta estava se congelando, agora discutem que está esquentando”, afirmou ele, acrescentando que os cálculos são manipulados “para gerar medo”.
O seu programa de governo não prevê uma política ambiental, faz apenas menções pontuais, como promover uma agricultura sustentável e fontes de energia renováveis. Já o governo Bolsonaro ficou marcado por uma explosão no desmatamento na Amazônia, com o desmonte de órgãos de fiscalização ambiental. Ele chegou a dizer na ONU que os responsáveis por queimadas eram “o índio e o caboclo”.
4. Armas
Parecidos
Seguindo a lógica das liberdades individuais, os dois são a favor do porte de armas. No ano passado, Milei afirmou que “os Estados que têm livre porte de armas têm muito menos crimes do que outros onde se obriga os honestos a ficarem indefesos”, contrariando o que mostram estudos sobre o tema, assim como Bolsonaro —cuja política de flexibilização fez o número de armas registradas dobrar no Brasil.
Depois das primárias em que saiu vitorioso, porém, o argentino suavizou sua posição e negou que a medida esteja em sua plataforma de governo. Ele terceiriza a questão à sua candidata a vice, Victoria Villarruel, que ficaria a cargo de um novo ministério de Segurança, e afirma que sua política na área consiste em uma série de reformas nas leis, embora dependa do Legislativo para isso.
5. Economia
Parecidos em alguns aspectos, diferentes em outros
Milei e Bolsonaro defendem o liberalismo na economia, com redução de impostos, cortes em ministérios e privatização de estatais, mas o argentino é mais radical. Suas principais propostas para tirar o país da crise são a dolarização da economia e a extinção do Banco Central, ideias que não passariam pela cabeça do ex-presidente brasileiro nem de seu ex-ministro Paulo Guedes.
Sendo um militar de carreira, Bolsonaro tem uma origem mais nacionalista e estatizante. Falava em fazer o país crescer dentro da indústria local, como Donald Trump nos Estados Unidos, enquanto Milei quer fazer uma abertura unilateral da Argentina ao mundo, ou seja, facilitar a importação de produtos industriais, hoje limitada no país.
6. Militares e ditadura
Diferentes, mas se aproximaram recentemente
Enquanto Bolsonaro tem origem militar, preencheu diversos ministérios com generais, se apoia politicamente nesse setor e defende o Golpe de 1964, Milei não demonstra uma proximidade significativa com o grupo nem indica que ele fará parte de seu governo. “A ferida da ditadura ainda é muito aberta na Argentina”, lembra o professor Paulo Velasco.
Recentemente, porém, o argentino gerou fortes reações ao dizer que há “uma visão torta da história” e que “não foram 30 mil desaparecidos”, como estimam organizações de direitos humanos. Antes, esse discurso relativista ficava a cargo de sua candidata a vice, a deputada Victoria Villarruel, que é filha, neta e sobrinha de militares e tem como bandeira política a defesa das vítimas de ataques de guerrilhas na ditadura.
7. Família e religião
Muito diferentes
Apesar de Bolsonaro ter afirmado que os dois “defendem a família” ao apoiar Milei antes das primárias, ambos têm amplas divergências nesse ponto, a começar pelo fato de que o argentino nunca foi casado nem tem filhos. “Milei, na sua lógica libertária, defende coisas que Bolsonaro jamais defenderia”, diz Paulo Velasco, coordenador do curso de relações internacionais da Uerj (Universidade Estadual do RJ).
O argentino, por exemplo, vê relações homoafetivas como uma escolha pessoal, na qual o Estado não deveria interferir. Já chegou a falar o mesmo sobre a venda de drogas e até de órgãos e crianças —mas tem buscado evitar esses assuntos desde que suas chances de chegar à Presidência cresceram. O brasileiro, por sua vez, é conhecido por diversos comentários homo e transfóbicos.
Como Milei não depende dos eleitores evangélicos, que são apenas 15% no país contra mais de 30% no Brasil, tem mais liberdade nesse sentido. Ele também já fez diversos ataques ao Papa Francisco: “Está sempre ao lado do mal”, postou no início do ano passado. Um dos pontos em que se aproximam é a oposição ao aborto, mas o libertário não evoca o discurso religioso, e sim “os direitos individuais do bebê”.
8. Trajetória de vida
Muito diferentes
Milei, 52, tem origens acadêmicas, enquanto Bolsonaro, 68, cresceu no mundo militar. O argentino é formado em economia pela Universidade de Belgrano, em Buenos Aires, onde foi professor por 21 anos. Também atuou em consultorias, bancos e empresas, como a Máxima AFJP, de previdência privada. Só entrou na política em 2021, quando seus confrontos com comentaristas na TV o catapultaram a deputado federal.
Já o brasileiro tem uma larga carreira pública, apesar de também vender-se como “outsider”. Se formou como oficial do Exército em 1977, durante a ditadura, e serviu até 1988, ano em que entrou para a reserva e se elegeu vereador do Rio de Janeiro. Depois disso, foi deputado federal por 28 anos, até se tornar presidente. Os dois compartilham o fato de terem ascendido de maneira rápida nas campanhas.