O Hamas é o maior dentre diversos grupos de militantes islâmicos da Palestina.
O nome em árabe é um acrônimo para Movimento de Resistência Islâmica, que teve origem em 1987 após o início da primeira intifada palestina, ou levante, contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Em seu estatuto, o Hamas se comprometeu com a destruição de Israel.
O grupo inicialmente tinha o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel, liderada por seu braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos.
Mas desde 2005, quando Israel retirou tropas e colonos de Gaza, o Hamas também se envolveu no processo político palestino. Venceu as eleições legislativas em 2006, pouco antes de reforçar seu poder no ano seguinte, derrubando o movimento rival Fatah, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.
Desde então, militantes em Gaza travaram três guerras com Israel, que junto com o Egito manteve um bloqueio na região para isolar o Hamas e pressioná-lo a interromper os ataques.
Nessa nova escala do conflito em 2021, o Hamas e Israel voltaram a lançar mísseis depois que um grupo de palestinos foi impedido de entrar no complexo da mesquita Al-Aqsa em Jerusalém, um dos locais mais reverenciados pelo islamismo, no dia mais sagrado para o Islã.
O complexo também é o local mais sagrado do judaísmo, conhecido como Monte do Templo, e é um foco frequente de confrontos entre israelenses e palestinos. Os palestinos reivindicam Jerusalém Oriental como a futura capital de um Estado independente.
Em outubro de 2023, o grupo lançou um ataque surpresa no sul de Israel. O acontecimento foi considerado “sem precedentes” e uma das maiores falhas de segurança do país em 50 anos.
O Hamas como um todo, ou em alguns casos sua ala militar, é classificado como um grupo terrorista por Israel, Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido, bem como outras potências globais.
Estatuto do Hamas de 1988
Em sua fundação, o Estatuto do Hamas definiu a Palestina histórica, incluindo a atual Israel, como terra islâmica e exclui qualquer paz permanente com o Estado judeu.
O documento também ataca os judeus como povo, fortalecendo acusações de que o Hamas é antissemita.
Em 2017, o grupo produziu um novo documento de política que suavizou algumas de suas posições declaradas e usou uma linguagem mais moderada.
Não houve reconhecimento de Israel, mas ele aceitou formalmente a criação de um Estado palestino provisório em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, algo que é conhecido como linhas pré-1967.
O documento também enfatiza que a luta do Hamas não é contra os judeus, mas contra “os agressores sionistas de ocupação”.
Em resposta, Israel disse que o grupo estava “tentando enganar o mundo”.
Atentados suicidas na década de 1990
O Hamas ganhou destaque após a primeira intifada como o principal grupo palestino contrário aos acordos de paz assinados no início da década de 1990 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o órgão que representa a maioria dos palestinos.
Apesar das diversas operações israelenses contra o Hamas e das medidas repressivas da Autoridade Palestina (o principal órgão governante dos palestinos), o Hamas descobriu que tinha um “poder de veto” eficaz sobre o processo, lançando ataques suicidas. O grupo lutava contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Em fevereiro e março de 1996, realizou vários atentados suicidas em ônibus, matando quase 60 israelenses, em retaliação pelo assassinato, em dezembro de 1995, do fabricante de bombas do Hamas, Yahya Ayyash.
Para muitos, esses atentados foram responsáveis por afastar israelenses do processo de paz e levar Benjamin Netanyahu —o atual primeiro ministro israelense e um ferrenho oponente dos chamados Acordos de Oslo—ao poder naquele ano.
No mundo pós-Acordos de Oslo, mais particularmente após o fracasso da cúpula do presidente americano Bill Clinton em Camp David em 2000 e a segunda intifada que ocorreu logo em seguida, o Hamas ganhou poder e influência enquanto Israel reprimia a Autoridade Palestina, acusada de patrocinar violentos ataques contra o território israelense.
No campo de políticas públicas, o Hamas implementou e geriu diversas clínicas e escolas, que atenderam palestinos que consideravam corrupta e ineficiente a Autoridade Palestina, dominada pela facção Fatah.
Muitos palestinos aplaudiram a onda de ataques suicidas do Hamas nos primeiros anos da segunda intifada. Eles viram as operações de “martírio” como uma vingança de suas próprias perdas e da construção de assentamentos de Israel na Cisjordânia, território reivindicado pelos palestinos como parte de seu Estado.
Em março e abril de 2004, o líder espiritual do Hamas, Sheikh Ahmed Yassin, e seu sucessor, Abdul Aziz al-Rantissi, foram mortos em ataques com mísseis israelenses em Gaza.
A morte do líder do Fatah, Yasser Arafat, em novembro daquele ano, ocorreu em meio à mudança no comando da Autoridade Palestina, recém-liderada por Mahmoud Abbas, que considerava os disparos de foguetes do Hamas contraproducentes.
Em 2006, quando o Hamas obteve uma vitória esmagadora nas eleições parlamentares palestinas, o terreno estava pronto para uma dura luta com o Fatah pelo poder na região.
O Hamas resistiu a todos os esforços para fazer com que o grupo assinasse acordos palestinos firmados anteriormente com Israel, além de reconhecer a legitimidade de Israel e renunciar à violência.
Sanções internacionais
Como resultado, o governo sob nova liderança do Hamas passou a ser alvo de duras sanções econômicas e diplomáticas de Israel e seus aliados.
Em 2007, o Hamas expulsou de Gaza as forças leais ao rival Fatah, o que levou Israel a ampliar o bloqueio ao território. Foguetes palestinos e ataques aéreos israelenses continuaram a ser adotados.
Israel responsabiliza o Hamas por todos os ataques vindos de Gaza e realizou três grandes campanhas militares na região, precedidas por escaladas de combates na fronteira.
Em dezembro de 2008, militares israelenses lançaram a Operação Chumbo Fundido para acabar com os ataques com foguetes pelo Hamas. Mais de 1.300 palestinos e 13 israelenses foram mortos durante o conflito de 22 dias.
Sob o mesmo pretexto, Israel lançou quatro anos depois a Operação Pilar de Defesa, que começou com um ataque aéreo que matou Ahmed Jabari, comandante das Brigadas Qassam. Cerca de 170 palestinos, a maioria deles civis, e seis israelenses morreram em oito dias de combate.
O Hamas emergiu de ambos os conflitos com seu poderio militar bastante abalado, mas, por outro lado, com apoio renovado entre palestinos por ter enfrentado Israel e sobrevivido.
Fontes palestinas apontaram que a facção islâmica Hamas tentou evitar novos conflitos após essa segunda operação militar e que as Brigadas Qassam pararam de disparar foguetes contra Israel.
Mas o grupo também não fez nada para evitar que outras facções na Faixa de Gaza realizassem seus próprios ataques, aparentemente porque não queria ser visto como menos engajado em sua luta contra o Estado israelense do que outros grupos militantes, particularmente o Jihad Islâmico.
Em julho de 2013, o Hamas sofreu um grave revés quando o líder da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, um de seus principais aliados, foi derrubado do poder no Egito e perdeu a presidência.
Mas esse não era o único problema regional que o grupo tinha: seu alinhamento com grupos sunitas na Síria que se opunham ao presidente xiita Bashar al-Assad o deixou sem financiamento do Irã, uma nação xiita aliada do líder sírio e que costumava doar até US$ 20 milhões (R$ 103 milhões) por mês para o Hamas, dinheiro suficiente para manter o governo em Gaza.
Cercado internacionalmente, em abril de 2014, o líder do Hamas, Khaled Meshaal, concordou em integrar um governo de unidade nacional ao Fatah, liderado por Mahmoud Abbas, sucessor de Arafat.
Nova escalada em 2014
Os disparos de foguetes de Gaza ganharam força mais uma vez em meados de junho de 2014, quando Israel prendeu diversos membros do Hamas na Cisjordânia enquanto fazia buscas em torno do assassinato de três adolescentes israelenses.
No início de julho daquele ano, o Hamas assumiu a responsabilidade pelo lançamento de foguetes contra Israel pela primeira vez em dois anos. No dia seguinte, militares israelenses lançaram uma ofensiva chamada Operação Margem Protetora para destruir foguetes e túneis transfronteiriços usados por militantes.
Pelo menos 2.251 palestinos, incluindo 1.462 civis, foram mortos durante o conflito de 50 dias. Do lado israelense, 67 soldados e seis civis foram mortos.
Desde 2014, tem ocorrido surtos frequentes de violência que terminaram com cessar-fogo mediados pelo Egito, Qatar e Organização das Nações Unidas (ONU). Nenhum deles escalou para uma guerra em grande escala.
Apesar da pressão dos bloqueios e sanções de que é alvo, o Hamas manteve o poder em Gaza e continuou a ampliar seu arsenal de foguetes. Ao longo do tempo, as tentativas de reconciliação com o rival palestino Fatah falharam.
Enquanto isso, a situação humanitária de 2 milhões de palestinos em Gaza piorou. A economia da região entrou em colapso, e a população enfrenta falta de água, eletricidade e medicamentos.
Poder de fogo do Hamas
Embora sejam o lado mais fraco do conflito com Israel, Hamas e Jihad Islâmico têm armas suficientes para atacar Israel e já experimentaram diferentes táticas.
O armamento mais significativo no arsenal palestino são, de longe, seus mísseis superfície-superfície.
Parte deles, acredita-se, entra em Gaza por túneis cavados a partir da península do Sinai, no Egito. Essa também seria a origem de outros artefatos, como os mísseis guiados antitanque Kornet.
A maior parte do arsenal de Hamas e Jihad Islâmico vem, contudo, da própria faixa de Gaza, que conta com uma capacidade produtiva relativamente complexa e sofisticada para esses armamentos.
Especialistas internacionais, inclusive israelenses, acreditam que o know-how iraniano e a assistência do país tenham um papel importante no crescimento da indústria bélica na região.
Estimar a dimensão exata do arsenal do Hamas é impossível, mas ele certamente inclui milhares de armas de diferentes alcances. Os militares israelenses têm suas próprias estimativas —que não chegam, contudo, a compartilhar publicamente.
Um porta-voz se limita a dizer que o grupo poderia manter o poder de fogo por “um período significativo de tempo”.
Os grupos palestinos têm usado diferentes tipos de mísseis, nenhum deles novo em termos de design básico. De forma geral, contudo, as armas têm apresentado alcance maior e cargas explosivas mais potentes.
O Hamas opera uma variedade de mísseis de longo alcance como o M-75, que avança até 75 km, o Fajr (até 100 km) e o R-160 (até 120 km). Também conta com alguns M-302s, que chegam ainda mais longe, até 200 km.
Assim, o grupo teria capacidade de atingir tanto Jerusalém quanto Tel Aviv, além da faixa costeira, que concentra maior densidade populacional e infraestrutura.
O Exército israelense diz que mais de mil foguetes foram disparados contra o país em três dias de conflito em 2021. Outros 200 teriam caído na própria Faixa de Gaza, um possível indicativo dos problemas oriundos de um processo de produção disperso e ainda pouco desenvolvido.
Entre os mísseis que cruzaram a fronteira, 90% foram interceptados pelo sistema antimísseis Domo de Ferro, parte de um amplo sistema de defesa aérea que opera em Israel.
Seu objetivo é proteger o país de mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro, foguetes e outras ameaças aéreas. As baterias são feitas de mísseis interceptores, radares e sistemas de comando que analisam os lugares que os foguetes inimigos podem atingir.
No ataque surpresa de 2023, milhares de mísseis também foram disparados a partir de Gaza —seguidos de uma operação por terra e a invasão de território israelense.
Este texto foi originalmente publicado aqui.