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Chegada da BYD ao Brasil é prenúncio de nova era – 06/10/2023 – Igor Patrick

Em vários aspectos, o fim das operações da Ford em Camaçari, na Bahia, e a chegada da chinesa BYD (Build Your Dreams) à cidade é um prenúncio de um novo mundo no mercado de mobilidade global. O acordo, oficializado com a devolução da fábrica sob administração americana para o governo estadual nesta quarta-feira (4), é o primeiro passo para que uma das maiores empresas de carros elétricos e eletrificados no mundo tome a dianteira deste crescente mercado no Brasil.

A BYD é só uma parte de uma revolução iniciada há décadas pela China. Enquanto a política industrial dos Estados Unidos ignorou largamente a área, os chineses vêm apoiando desde 2010 a popularização dos chamados “carros verdes” —nomenclatura questionável, dado o grau de degradação ambiental necessário para a produção de seus componentes.

A iniciativa foi, acima de tudo, uma resposta a uma demanda doméstica. A China crescia na casa dos dois dígitos na época, em um impulso sustentado primariamente por combustíveis fósseis. Com um trânsito cada vez mais caótico, e poluição do ar em níveis cancerígenos nas principais metrópoles do país, o governo tentou de tudo: rodízios, políticas de limitação para emplacamento de carros novos, aumento de impostos. Mas a frota nacional continuou a se avolumar.

Os carros elétricos e eletrificados foram a solução mais realista. Pequim então iniciou uma agressiva política de subsídios, investimentos em tecnologia e construção da infraestrutura necessária para esta modalidade.

Para quem comprava seu primeiro carro, o regime passou a oferecer linhas de crédito especiais a juros baixos. Também foram disponibilizados bons subsídios, que partiam dos 4.800 yuans para os veículos híbridos e podiam chegar a até 12,6 mil yuans para os 100% elétricos (entre R$ 3.500 e R$ 9.000, em valores atualizados).

Os benefícios atraíram uma parcela considerável de jovens profissionais, que precisavam de carros, mas não estavam dispostos a pagar milhares de yuans não só pelos produtos em si como também para as pesadas taxas de licenciamento.

Ao setor empresarial foram oferecidas isenções fiscais e impostos menores para importação e exportação de peças, políticas que se mostraram acertadas: em 2022, a China já liderava de longe o mercado mundial, tendo produzido 6,8 milhões de unidades de veículos do tipo.

Pequim se certificou de garantir dois fatores essenciais para o sucesso da empreitada: o acesso a matérias-primas e as pesquisas em tecnologia e desenvolvimento. Os chineses hoje dominam cerca de 70% de todas as reservas de lítio no planeta, material essencial para a produção de baterias para carros elétricos. A influência diplomática na África também garantiu acesso privilegiado às minas de cobalto do Congo, país com maior abundância do metal.

Com isso, a China pode hoje se orgulhar de abrigar a empresa com a melhor tecnologia de baterias para carros elétricos do mundo —a CATL, essencialmente a maior fornecedora do componente para marcas como Tesla, GM, Volkswagen, BMW e a própria Ford.

A exportação foi o caminho natural para as montadoras chinesas depois que elas se consolidaram no mercado doméstico. Enquanto isso, alternativas americanas ficaram pelo caminho.

Graças a um poderoso lobby das petroleiras, combinado com a custosa infraestrutura necessária para fazer a tecnologia decolar, os EUA investiram menos no setor. O país até conta com vários carregadores da Tesla espalhados pelo território, sobretudo nas áreas urbanas, mas eles estão aquém da necessidade de um sistema que preteriu o transporte público ao longo de décadas. Donald Trump também reverteu várias políticas ambientais que poderiam ter reduzido a distância das fábricas americanas do setor em relação às chinesas.

Ao menos neste campo, hoje é possível dizer com alguma segurança que os americanos terão papel secundário. A Europa tem feito avanços e, ciente da dificuldade de competir com as alternativas do gigante asiático, discute a implantação de tarifas adicionais para as chinesas BYD, GWM e outras. É colocar band-aid em uma ferida que ainda demorará muito para cicatrizar: se o futuro da mobilidade for verde como pede o planeta, sua fabricação será vermelha.


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Fonte: Folha de São Paulo

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