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Nobel da Paz: Veja texto que vencedora escreveu da prisão – 06/10/2023 – Mundo

Vencedora do Nobel da Paz anunciado nesta sexta-feira (6), a ativista iraniana pelos direitos humanos Narges Mohammadi, 51, denunciou maus tratos contra mulheres na prisão em que está detida em um texto publicado no The New York Times em setembro.

O artigo relembra o aniversário de um ano da morte de Mahsa Amini sob custódia da polícia moral do Irã por supostamente usar o hijab incorretamente. “A repressão violenta e brutal do governo às vezes pode manter as pessoas longe das ruas”, afirmou Mohammadi, “mas nossa luta continuará até o dia em que a luz vencer a escuridão e o sol da liberdade abraçar o povo iraniano”.

A ativista é assediada pelo regime iraniano há 30 anos e já havia sido presa em 2009, quando ficou oito anos na cadeia. Libertada em 2020, voltou a ser detida em 2021, enquanto participava de cerimônia pela memória de uma pessoa morta durante protestos contra o regime islâmico em 2019.

Eu e minhas colegas de cela estávamos reunidas em uma noite na ala feminina da prisão de Evin, em Teerã, quando vimos uma reportagem na televisão sobre a morte de Mahsa Amini. Neste sábado (16.set), faz um ano que ela morreu sob custódia da polícia moral do Irã, por supostamente não usar o hijab adequadamente. Sua morte desencadeou uma revolta imediata e generalizada —liderada por mulheres— que abalou o país.

Na ala feminina, estávamos cheias de tristeza e raiva. Usávamos nossas curtas ligações telefônicas para reunir informações. À noite, fazíamos reuniões para trocar as notícias que tínhamos ouvido. Estávamos presas, mas fazíamos o que podíamos para levantar nossas vozes contra o regime. A raiva atingiu seu auge algumas semanas depois, em 15 de outubro, quando um incêndio varreu parte de Evin. Cantamos “Morte à República Islâmica” em meio a tiros das forças de segurança, explosões e chamas. Pelo menos oito pessoas foram mortas.

Milhares de pessoas que protestavam contra a morte de Amini foram presas nos meses seguintes. À medida que o aniversário de sua morte se aproximava, os líderes do Irã se esforçaram para reprimir a dissidência. Fui presa em Evin três vezes desde 2012 por meu trabalho como defensora dos direitos humanos, mas nunca vi tantas novas admissões na ala feminina como nos últimos cinco meses.

Outras alas femininas também ficaram lotadas. Por meio de amigas na prisão de Qarchak, a sudeste de Teerã, soube que cerca de 1.400 novas detentas estavam ali. Outras mulheres foram enviadas para alas de segurança máxima, incluindo a Seção 209 de Evin, administrada pelo Ministério da Inteligência. Uma detenta que foi transferida de Evin para a prisão de Adelabad, em Shiraz, nos contou sobre centenas de novas detentas em Adelabad.

O que o governo parece não entender é que quanto mais de nós eles aprisionam, mais fortes nos tornamos.

O moral entre as novas prisioneiras está alto. Algumas falaram com estranha facilidade sobre escrever seus testamentos antes de irem para as ruas pedir por mudanças. Todas elas, não importa como foram presas, tinham uma demanda: derrubar o regime da República Islâmica.

Nos últimos meses, conheci muitas prisioneiras que foram espancadas e machucadas, com ossos quebrados, e que foram vítimas de agressão sexual. Fiz o meu melhor para documentar e compartilhar essas informações.

Ainda assim, continuamos a levantar nossas vozes. Divulgamos declarações e realizamos reuniões gerais e protestos após as notícias de manifestações massivas, assassinatos nas ruas e execuções. As instituições de segurança e judiciais tentaram nos intimidar e silenciar cortando nossas ligações telefônicas e reuniões semanais com a família ou abrindo novos processos judiciais contra nós. Nos últimos sete meses, recebi seis novos processos criminais por minhas atividades relacionadas a direitos humanos na prisão e acrescentaram dois anos e três meses à minha sentença, que agora é de dez anos e nove meses.

Comecei a fazer campanha no Irã há 32 anos, como estudante. Meu objetivo naquela época era lutar contra a tirania religiosa, que, juntamente com a tradição e os costumes, levou à profunda repressão das mulheres neste país. Esse ainda é meu objetivo. Agora, ao ver os esforços inovadores de mulheres e meninas durante esse movimento revolucionário, sinto que meus sonhos e objetivos feministas estão mais próximos de se realizarem.

As mulheres surgiram como a vanguarda dessa revolta, demonstrando coragem e resistência imensas, mesmo diante de animosidade e agressão intensificadas pelo regime autoritário religioso.

No passado, antes da morte de Amini, eu ouvia relatos de agressões sexuais contra mulheres dentro das prisões femininas, mas nunca havia testemunhado pessoalmente tantas agressões e ferimentos que ameaçam a vida nem encontrado histórias de assédio e agressão sexual na magnitude atual.

O regime parece estar propagando intencionalmente uma cultura de violência contra as mulheres. No entanto, não conseguirá intimidá-las ou contê-las. As mulheres não vão desistir.

Somos impulsionadas pela vontade de sobreviver, estejamos dentro da prisão ou fora dela. A repressão violenta e brutal do governo às vezes pode manter as pessoas longe das ruas, mas nossa luta continuará até o dia em que a luz vencer a escuridão e o sol da liberdade abraçar o povo iraniano.

Fonte: Folha de São Paulo

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