Neste 3 de outubro, celebramos o 195º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas russo-brasileiras. Ao longo desses anos, nossos povos e Estados percorreram um grande caminho: épocas e formas de governo mudaram, grandes turbulências foram seguidas por períodos de prosperidade econômica e cultural, mas a aproximação foi praticamente ininterrupta e, no fim, levou à criação de aliança estratégica russo-brasileira, em 2000.
Enquanto no mar as mudanças de tempo dependem de causas naturais, nas relações entre as potências o quadro é claro, luminoso e calmo somente quando os esforços dos diplomatas, que visam a estabelecer o diálogo e buscar pontos de contato mútuo, são coroados de êxito.
Sabemos muito sobre diplomatas famosos e figuras políticas do presente e do passado recente, mas os nomes dos pioneiros que estiveram nas origens das relações russo-brasileiras não são ouvidos com frequência. Portanto, gostaria de lembrar o trabalho de Franz Borel, o primeiro enviado russo ao Brasil.
No início dos anos 2000, historiadores russos da Universidade Estatal de São Petersburgo realizaram um grande estudo sobre a vida dele. Como Franz Borel não deixou memórias, os historiadores se basearam em documentos de arquivo e em reminiscências escritas de seus contemporâneos.
Franz Borel, de família francesa, nasceu em Turim em 1775. Sua juventude passou na Itália: Borel teve a oportunidade de viajar bastante pela Europa e receber uma educação decente no auge do Iluminismo, um período de rápido desenvolvimento do pensamento científico, filosófico e sociopolítico.
Em 1799, em Nápoles, Franz Borel tornou-se assistente do representante comercial russo e, em 1804, visitou pela primeira vez São Petersburgo, onde conheceu um talentoso diplomata russo, o futuro ministro dos Negócios Estrangeiros do Império Russo, conde Nikolai Rumiantsev.
A visão ampla e as qualidades de um negociador de Borel chamaram a atenção do conde Rumiantsev, que, em 1804, convidou o jovem para integrar o serviço diplomático russo. Borel prestou considerável assistência ao conde Rumiantsev na criação da expedição de assuntos consulares, escrevendo várias obras importantes sobre a organização e as peculiaridades do funcionamento das instituições consulares, nas quais apresentou propostas avançadas sobre a inseparabilidade dos lados político, diplomático e comercial de suas atividades. Em 1809 Franz Borel foi nomeado chefe do serviço consular russo.
Os sucessos de Napoleão na Península Ibérica forçaram a corte real portuguesa a deixar a metrópole rumo ao Brasil em novembro de 1807, estabelecendo assim um precedente único de governar o império a partir do Novo Mundo.
Em janeiro de 1808, todos os portos brasileiros foram abertos para navios estrangeiros, e São Petersburgo viu isso como uma oportunidade única para intensificar e expandir o comércio bilateral. No limiar de novos confrontos com Napoleão (a paz de Tilsit de 1807 com a França era muito frágil, mesmo no momento de sua assinatura), o Tesouro russo precisava de reabastecimento regular e volumoso, assim a tarefa de estabelecer comércio com Portugal e explorar o Brasil, confiada a Franz Borel, tornou-se uma questão estratégica.
O diplomata visitou pessoalmente Portugal, a ilha da Madeira (onde trabalhou por três anos) e o Brasil, estudando cuidadosamente as peculiaridades do funcionamento das rotas comerciais e das cadeias logísticas. Como resultado de sua pesquisa, Franz Borel preparou várias notas sobre o país e um projeto de uma convenção adicional ao tratado comercial russo-português, que enfatizava o papel especial do Brasil e propunha o estabelecimento de casas comerciais russas no Rio de Janeiro e em Salvador.
A preparação para a implementação das ideias propostas por Borel levou muito tempo, de modo que ele pôde chegar ao Brasil como enviado russo somente em 1828, após a vitória da Rússia sobre a França napoleônica (1814) e a proclamação da independência do Brasil em 7 de setembro de 1822.
Borel expressou repetidamente a necessidade de reconhecer o novo Estado –o ato correspondente foi entregue de São Petersburgo à corte no Rio de Janeiro em dezembro de 1827. No mesmo mês, o diplomata recebeu uma nomeação oficial, tornando-se o primeiro enviado do Império Russo ao Brasil.
De julho a outubro de 1828, Franz Borel elaborou a minuta do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre a Rússia e o Brasil. Um procedimento burocrático complicado atrasou a análise do projeto em São Petersburgo, mas o diplomata, continuando sua missão no Brasil, não perdeu tempo.
Trabalhando sozinho na missão, Borel não apenas lidou com tarefas políticas, representativas e administrativas, mas também, sem se poupar, trabalhou na criação de estudos exclusivos sobre administração pública, política externa e interna, geografia, comércio e agricultura.
Durante o mesmo período, o diplomata ajudou a concluir a primeira expedição científica russa ao Brasil, realizada em 1821-1829 sob a liderança do famoso etnógrafo e naturalista russo Georg Langsdorff. As descrições geográficas e etnológicas exclusivas, juntamente com a coleção botânica reunida durante a expedição, foram transportadas para São Petersburgo graças ao trabalho meticuloso de Borel.
Franz Borel tinha um amor genuíno pelo Brasil e levava a sério as reviravoltas políticas. Como monarquista convicto, criticava as recém-criadas repúblicas da América Latina e não queria que o Brasil sofresse o “destino” delas. A crise política de março-abril de 1831, em decorrência da qual o imperador Pedro 1º do Brasil, sob pressão de oposição, foi forçado a assinar uma abdicação em favor de seu filho e ir para Portugal, causou um golpe irreparável em Borel, piorando a saúde já fragilizada do diplomata. Em 23 de dezembro de 1831, o diplomata teve um derrame e, em 1º de janeiro de 1832, Franz Borel faleceu.
Muitos anos se passaram, e os esforços de Borel e Langsdorff –pioneiros dedicados à ideia da cooperação russo-brasileira– continuam vivos, apoiados pelo trabalho de novas gerações de diplomatas.
A vida e o trabalho de Franz Borel são um exemplo importante para nós, pois ele provou, por meio de sua própria experiência, que nem a distância geográfica nem o fato de pertencer a tradições culturais diferentes podem se tornar obstáculos para a aproximação de duas grandes nações –o colosso do norte e o gigante tropical.