Seis anos após o fim da Minustah, a missão da ONU protagonizada por militares brasileiros, o Haiti voltará a ter a presença de forças externas em seu território para frear aquela que hoje é considerada a mais grave crise humanitária das Américas.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou nesta segunda-feira (2), após semanas de uma polarizada negociação, o envio de uma missão multinacional para ajudar a polícia do país caribenho a combater as gangues armadas e proteger a infraestrutura urbana.
O Brasil, membro rotativo e responsável pela presidência do conselho ao longo deste mês de outubro, votou a favor da resolução redigida por Estados Unidos e Equador. China e Rússia, pontos de conflito no grupo, abstiveram-se.
Diferentemente da Minustah, a nova missão não contará com os capacetes azuis e assiste à chefia da ONU, na figura do português António Guterres, buscar maior distância dos meandros da missão, que será liderada pelo Quênia após a oferta do presidente William Ruto.
Nem por isso –ou justamente por isso– deixa de haver preocupação sobre possíveis violações de direitos humanos iminentes a missões do tipo ao redor do mundo. Anos após a Minustah, são documentados os episódios de abuso sexual cometidos por soldados contra haitianas, além da chegada da cólera por meio dos soldados.
Ainda assim, o envio da missão foi uma demanda reiterada em alto e bom tom pelo premiê do Haiti, o impopular Ariel Henry, pressionado a colocar em prática uma agenda que prepare o terreno para eleições –a nação não conta com nenhuma autoridade eleita atualmente.
A atual missão terá caráter distinto da missão de estabilização que esteve no país entre 2004 e 2017, durante um dos episódios mais marcantes da história haitiana –o terremoto que em 2010 deixou mais de 200 mil mortos –além das dezenas de milhares de locais, estavam entre os mortos 18 soldados brasileiros e a missionária Zilda Arns.
Desta vez, a resolução do Conselho de Segurança aprova o envio de uma missão policial –não militar. O arranjo tampouco tem caráter intervencionista, prevalecendo a ideia de que a Polícia Nacional Haitiana será apenas apoiada e treinada pelas forças estrangeiras.
Ainda serão precisos meses para que os primeiros policiais comecem a desembarcar em Porto Príncipe. Otimista, o governo do Quênia diz trabalhar com um prazo que vai do final deste ano ao início de 2024. As declarações, no entanto, deixam de lado a preocupação latente sobre quantos países mais se somarão à missão.
A nação do leste da África ofereceu mil policiais —além do comando técnico da operação. Países caribenhos também ofertaram agentes, mas a soma das forças ainda não chega a 2.000, cifra considerada mínima para que a operação tenha chances de ser bem-sucedida.
A expectativa era a de que, com o aval da ONU, mais países se somem.
Outrora protagonista, Brasil agora não quer destaque
Conforme a Folha relatou, o Brasil manifestou desde o início das negociações que não pretendia assumir protagonismo no envio de forças de segurança, ainda que pudesse enviar quadros específicos de especialistas para ajudar em conhecimento técnico. Brasília também diz querer reviver projetos de cooperação técnica, em especial na área da saúde, hoje paralisados pela violência urbana.
O cálculo, disse em junho o assessor especial do presidente Lula (PT) Celso Amorim, é de que o Brasil se frustrou ao depositar forças na Minustah e ter um retorno tímido de outras nações ocidentais que haviam prometido ajudar. “O Brasil ficou escaldado em função da falta de empenho da comunidade internacional”, disse ele na ocasião.
Segundo os últimos números compartilhados pelo escritório da ONU no Haiti, o Binuh, com a reportagem, ao menos 5.162 pessoas foram vítimas diretas da violência das gangues neste ano —destas, 2.907 foram assassinadas, sendo 383 delas linchadas.