No mesmo dia em que o Congresso começou a discutir o processo de impeachment, Joe Biden fez um apelo em defesa da democracia, apontando Donald Trump e os seguidores do ex-presidente como ameaças.
Durante discurso em homenagem ao republicano John McCain, morto em 2018, o atual presidente disse que, apesar dos progressos recentes, a democracia americana ainda está em risco.
“Há algo perigoso acontecendo nos EUA agora. Há um movimento extremista que não compartilha das crenças básicas da nossa democracia: o movimento Maga [Make America Great Again, que apoia Trump]”, atacou. “Não há dúvidas de que o Partido Republicano hoje é guiado e intimidado por republicanos extremistas do Maga.”
Biden citou nominalmente o ex-presidente, algo que sua campanha à reeleição tem evitado fazer. “Trump disse que a Constituição lhe deu, abre aspas, ‘o direito de fazer o que quiser como presidente’, fecha aspas. Nunca ouvi um presidente dizer isso nem em tom de brincadeira.”
Em face desses riscos, o democrata fez um apelo por maior engajamento político daqueles que discordam do trumpismo mas estão calados. “As democracias não precisam morrer na ponta de um fuzil. Elas podem morrer quando as pessoas ficam em silêncio, quando elas não se erguem ou condenam as ameaças à democracia.”
O discurso aconteceu no Arizona, um dos chamados estados-pêndulo, que oscilam na preferência das urnas entre democratas e republicanos. Estrategistas o apontam como um dos principais campos de batalha na disputa presidencial do próximo ano.
Mais cedo, durante a manhã, a Comissão de Supervisão da Câmara teve a primeira reunião sobre o processo de impeachment de Biden, autorizado unilateralmente pelo presidente da Casa, o republicano Kevin McCarthy, sem uma votação no plenário —uma concessão de McCarthy à pressão da ala mais radical de seu partido.
A oposição já vinha investigando o envolvimento do presidente nos negócios suspeitos do filho, Hunter, com empresas estrangeiras. A acusação é de que Biden sabia que seu filho vendia o acesso à Presidência a parceiros comerciais e de que toda a família se beneficiou financeiramente dessa atuação.
“O povo americano exige responsabilização por essa cultura de corrupção”, disse o presidente da comissão, o deputado James Comer. O republicano também disse nesta quinta que vai pedir judicialmente os registros bancários de Hunter e de James Biden, irmão do presidente. Até agora, no entanto, não foi encontrada nenhuma prova que sustente essa acusação.
A comissão ouviu quatro testemunhas, na condição de especialistas: o contador forense Bruce Dubinsky, os professores de direito Jonathan Turley e Michael Gerhardt, e a ex-funcionária do Departamento de Justiça Eileen O’Connor.
Tanto Dubinsky quanto Turley afirmaram que, embora as evidências reunidas até agora justifiquem a abertura de uma investigação, elas não são suficientes para justificar a denúncia do presidente para sua remoção do cargo. Para Gerhardt, as evidências nem sequer sustentam a abertura de um processo.
Coube a O’Connor dar algum crédito aos republicanos, dizendo que ela avalia que o Departamento de Justiça moveu-se lentamente na investigação criminal cujo alvo é o filho do presidente —a pasta do governo Biden deu independência ao procurador responsável pelo caso justamente para se desviar desse tipo de acusação.
Hunter foi acusado oficialmente por um procurador da pasta sob a alegação de ter violado a lei ao comprar uma arma há alguns anos. A denúncia foi criticada pela oposição, tendo em vista que há suspeitas mais graves, como sonegação fiscal e corrupção, contra ele.
“Se os republicanos tivessem a arma do crime, ou até mesmo uma pistola de água, eles estariam apresentando isso hoje. Mas eles não têm nada”, disse o deputado democrata Jamie Raskin, um dos membros da comissão.
O debate nesta quinta ocorre ao mesmo tempo em que o Congresso luta contra o relógio para evitar uma paralisação do governo a partir de sábado (30), quando termina o prazo para aprovação de um novo Orçamento para o ano fiscal de 2024. Membros da Câmara e do Senado tentam costurar um projeto de lei para financiar temporariamente o governo, mas divergências –vindas sobretudo da ala mais extremista dos republicanos, contrários ao envio de recursos à Ucrânia– tornam a paralisação provável, ainda que não inevitável.
As chances de Biden sofrer de fato um impeachment são baixas. Para avançar, o processo depende da chancela da Câmara, onde a oposição supera governistas em apenas nove votos, e do Senado, dominado pelos democratas por dois votos.