Uma análise interna de 2020 do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, feita dois meses antes do ataque ao Capitólio, concluiu que extremistas domésticos estariam “muito dispostos a agir”, mas que a desorganização de seus grupos “provavelmente impediria a violência generalizada”.
O documento, obtido pela emissora NBC por meio da lei de acesso à informação americana, é intitulado “Análise Alternativa: Cenários Potenciais para Reações de extremistas violentos domésticos para uma disputada eleição presidencial nos EUA em 2020”.
“Em resposta a uma eleição disputada, [extremistas domésticos] estão muito dispostos a agir, mas as suas capacidades para fazê-lo permanecem baixas em grande parte devido à desorganização e à pressão da aplicação da lei”, discorre a análise em seu cenário “mais provável”. Na outra ponta, uma situação considerada menos provável era que esses grupos estivessem “muito dispostos a agir e muito capazes de realizar uma ampla gama de atividades violentas”.
O segundo cenário, porém, está mais próximo do que aconteceu. No dia 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso americano confirmava a vitória nas eleições de 2020 do democrata Joe Biden, atual presidente dos EUA, uma multidão, insuflada por seu adversário na campanha, o republicano e ex-presidente Donald Trump, invadiu o Capitólio e paralisou a sessão.
A irrupção foi seguida de horas de caos. Os extremistas depredaram o prédio, agrediram policiais e invadiram as duas Casas Legislativas, além de gabinetes de parlamentares. A invasão acabou com cinco pessoas mortas e 150 agentes de segurança feridos. Mais de dois anos depois, a Justiça já emitiu em torno de 600 sentenças, condenando 366 à prisão —sem contar as centenas de pessoas que ainda seguem sob investigação das autoridades.
A maior das penas até agora foi de 22 anos de cárcere, imposta a Enrique Tarrio, um dos líderes do grupo extremista de direita Proud Boys (garotos orgulhosos), envolvido na invasão do Capitólio. Tarrio é tratado como um dos mentores da conspiração e da insurreição.
O documento do FBI foi concluído apenas alguns dias depois de Trump dizer, durante um debate presidencial: “Proud Boys, stand back and stand by”. De leitura dúbia, a declaração pode ser entendida como “afastem-se e esperem” ou “fiquem esperando, prontos para agir”. Pouco tempo depois, já havia camisetas com a frase do então presidente à venda.
O serviço de inteligência, porém, não faz menção a essa ou qualquer outra declaração de Trump em sua análise, diferentemente do comitê da Câmara dos Representantes dos EUA que investigou a invasão. Consta no documento da Casa, por exemplo, o tuíte em que o ex-presidente afirma ser “estatisticamente impossível” ter perdido as eleições de 2020 —uma alegação falsa. “Grande protesto em [Washington] DC em 6 de janeiro. Esteja lá, será selvagem!”, continuou.
O comitê considerou registrar críticas ao FBI em seu relatório final, segundo a NBC, mas acabou entregando um documento bastante focado na ação de Trump, ignorando as falhas de segurança do Estado.
À emissora, o ex-promotor Tim Heaphy, principal conselheiro investigativo do comitê, disse no início deste ano que Trump foi a “causa imediata”, mas que “o que aconteceu no Capitólio também foi afetado pelas falhas das autoridades em operacionalizar a ampla inteligência que existia antes de 6 de janeiro sobre as ameaças de violência.”
O FBI não comentou o relatório à NBC, segundo a emissora, mas disse que “alertou parceiros estaduais, locais e federais sobre o potencial de violência” e mobilizou 250 agentes especiais para proteger o Capitólio.
“Desde 6 de janeiro de 2021, o FBI revisou continuamente nossos processos, procedimentos e políticas para avaliar as lições aprendidas e fazer melhorias na comunicação e na coleta, análise e compartilhamento de informações”, afirmou o serviço de inteligência, de acordo com a NBC.