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Podcast e ensaio desvelam Irã após morte de Mahsa Amini – 21/09/2023 – Mundo

Foi há pouco mais de um ano. A iraniana Mahsa Amini foi presa e torturada por não cobrir a cabeça com o véu islâmico. Ela morreu sob a custódia da ditadura religiosa local e desencadeou um imenso movimento de protesto, durante o qual o regime matou mais de 500 pessoas, entre elas muitas outras mulheres.

A República Islâmica comemorou ao seu jeito o primeiro aniversário do assassinato de Mahsa, no último dia 16. Prendeu muita gente, como o tio dela que organizava protestos. E cercou a classe média para evitar a explosões semelhantes às de 1999, que debilitaram o regime.

O tema está em podcast publicado pela Chatham House, instituto britânico especializado em política internacional. O Irã também é longamente analisado em ensaio da Foreign Affairs. A revista americana analisa a aproximação do país com Rússia e China, que acabou por dar um novo fôlego militar e econômico à teocracia iraniana.

No caso Mahsa, ao reprimir os manifestantes com tamanho empenho, o regime demonstra insegurança. Sabe que está atravessando uma nova crise de legitimidade, diz Rana Rahimpour à Chatham House. Ela foi por 15 anos a correspondente da BBC em Teerã e diz acreditar que a República Islâmica está insegura porque desconhece a médio prazo o rumo que tomará.

O poder não pertence ao presidente eleito, mas ao líder espiritual, Ali Khamenei, que substituiu em 1989 o aiatolá Khomeini. Khamenei tem 84 anos, e o poder iraniano é tão tremendamente centralizado que todas as decisões importantes brotam da cabeça dele.

Uma das decisões, diz a analista Sanam Vakil, editora de Oriente Médio na instituição, é a bomba nuclear local, para a qual o país trabalha à revelia da ONU (e sua Agência Internacional de Energia Atômica). O Irã, segundo a agência, já teria urânio enriquecido para uma série de explosões. Acontece que esse dispositivo serve para dissuadir uma invasão de países estrangeiros, dos Estados Unidos ao Iraque. Mas não serve como instrumento de dissuasão contra os movimentos sociais que protestam contra o monopólio religioso xiita.

No longo texto da Foreign Affairs, que também relata uma abertura externa bem-sucedida da República Islâmica, Reuel Marc Gerecht e Ray Takeyh abordam a tríade formada por Teerã, Moscou e Pequim. A história começa em 1979, quando a revolta liderada por Khomeini derruba a dinastia pró-americana do xá Reza Pahlavi. Os EUA se tornaram o inimigo preferencial do novo regime.

Ao suceder o primeiro aiatolá, dizem os dois pesquisadores, Khamenei naufragou com seus planos de procurar um espaço diplomático maior para respirar, porque, com a queda do Muro de Berlim, os EUA eram os todo-poderosos. Ninguém queria saber do Irã, a começar pelos russos de Boris Iéltsin, que naquela época só esperavam ficar de bem com os americanos. A China era então apenas um projeto de grandeza industrial.

Nos anos 1990 e primeira década do século 21, o Irã procurou por todos os meios atrair capital que rentabilizasse seu petróleo. Mas afastava potenciais investidores, sobretudo europeus, que não queriam comprar briga com os EUA. Ao mesmo tempo, o regime se equipou de torpedos políticos destinados a machucar seus vizinhos muçulmanos, do Líbano ao Iraque. E passou a não se importar com sua reputação de estraga-festas.

Ao seu modo e com todas as limitações políticas, o Irã se tornou uma versão religiosa daquilo que Cuba, nos anos 1960, idealizara como seu papel internacional. Queria “exportar a revolução” e incendiar o quintal dos vizinhos.

Três fatores permitiram que a República Islâmica desse um salto importante na atualidade. A China se tornou uma potência tecnológica que dispensa a cooperação anterior com os EUA e pode se aproximar de Teerã. A Rússia, mergulhada no atoleiro da Ucrânia e respirando pela boca ao navegar no Oriente Médio, tornou-se um bicho com o qual só regimes bem isolados aceitariam firmar aliança —bingo, o Irã estava disposto. E, por fim, o próprio isolamento econômico e diplomático dos iranianos se esgotou, num período que marcou um declínio relativo de Washington.

Entrou então a velha receita de “juntar a fome com a vontade de comer”. A Rússia ainda é forte em sua indústria bélica. O Irã está precisando de armas. E a China, com suas portentosas reservas cambiais, tem dinheiro suficiente para investir para suprir as necessidades do setor petrolífero iraniano.

Fonte: Folha de São Paulo

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