Centenas de pessoas bloquearam estradas na Guatemala nesta terça (19) em protestos que exigem a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras. O presidente eleito do país, Bernardo Arévalo, afirma que ela lidera um plano de golpe de Estado para impedir sua posse.
Os bloqueios tiveram início às 6h do horário local (9h em Brasília) e são convocados pelo Comitê de Desenvolvimento Camponês (Codeca), que também inclui na pauta de exigências dos atos a renúncia de Rafael Curruchiche, diretor da Procuradoria Especial Contra a Impunidade.
Nas ruas, alguns carregavam placas com a frase “fora golpistas” e diziam que há um “pacto de corruptos” que envolve o presidente cessante, Alejandro Giammattei. Alguns dos manifestantes também pedem a convocação de uma Assembleia Constituinte, uma demanda que, no entanto, não ganhou tração no país.
A mobilização ocorre um dia após Bernardo Arévalo pedir à Suprema Corte a anulação de um processo aberto pelo Ministério Público por supostas irregularidades na criação de seu partido, o Movimento Semilla (semente, em português) em 2017. O líder eleito diz considerar a ação penal um golpe de Estado para impedir sua posse.
Também nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez coro às alegações de Arévalo. No púlpito da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, onde o Brasil tradicionalmente é o primeiro a discursar, disse que “há o risco de um golpe [na Guatemala], que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas“.
O governo brasileiro já havia se manifestado sobre os acontecimentos no país da América Central. No último dia 1º, o Itamaraty sinalizou, em nota, “grave preocupação com a situação política” local, mencionando a suspensão provisória da personalidade jurídica do Semilla.
“O Brasil entende que a segurança jurídica e a previsibilidade do processo de transição, bem como o respeito às prerrogativas e imunidades das autoridades eleitorais, dos partidos políticos e dos candidatos eleitos, são elementos indispensáveis para o efetivo exercício da soberania popular por meio do voto”, dizia o texto.
Alejandro Giammattei, que discursou horas após Lula também nesta terça, respondeu à fala do petista. Nos instantes finais de seu discurso, disse que haviam sido ditas “inverdades” no púlpito da ONU e que irá entregar o bastão para o presidente eleito em 14 de janeiro de 2024.
Giammattei também afirmou que há uma “interferência estrangeira desnecessária” no processo eleitoral de seu país. “Nossa democracia não é perfeita, mas nos permite alternância de poder a cada quatro anos em um continente no qual presidentes tentam se aferrar no posto a despeito dos limites de suas Constituições”, disse ele.
No final da última semana, Arévalo interrompeu o processo de transição entre o governo cessante e o eleito após a Procuradoria Especial Contra a Impunidade invadir um centro de votação, abrir 160 caixas com votos do primeiro turno e os fotografar, em uma investida contra o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral), um dos únicos órgãos que até aqui vem mostrando atuação independente no país.
A ação foi dirigida pelo procurador Rafael Curruchiche, e Arévalo também pede que ele, Consuelo Porras e o juiz Fredy Orellana —que autorizou a medida— sejam destituídos de seus cargos por violarem a Constituição. Os três são proibidos de entrar nos Estados Unidos por integrarem a chamada Lista Engel, relação de “atores corruptos e antidemocráticos” da América Central feita por Washington.
Os EUA pediram nesta segunda-feira (18) que sejam encerrados os “esforços de intimidação” colocados em prática contra autoridades eleitorais e membros do Semilla. “Numa democracia saudável, as instituições não mexem nas urnas depois de os resultados eleitorais terem sido certificados pela autoridade apropriada”, disse Francisco Mora, embaixador americano na OEA, a Organização dos Estados Americanos.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, publicou extenso informe nesta terça no qual pede a retomada do processo de transição, mas com advertências. O uruguaio afirma que estão em curso ações, “especialmente da Procuradoria, que não tem competência para interferir nos temas eleitorais, com potencial de romper o processo”.
“Há ameaças; houve uma combinação de agressões políticas que violaram o processo eleitoral”, disse Almagro. “E essa situação tem consequências: uma delas é violar a vontade popular.”