A semana passada marcou o 50º aniversário da morte de J.R.R. Tolkien, autor de “O Senhor dos Anéis“, uma data que resultou em uma série de ensaios memorialísticos. Eu não escrevi um porque, embora esteja lendo a trilogia em voz alta para as crianças dois e três —esta é a segunda vez, com ao menos mais uma pela frente para o filho número quatro— eu não sou fã de Tolkien o suficiente para estar automaticamente ciente desses aniversários com antecedência.
Mas sou fã o bastante para ter algumas observações sobre os argumentos de outras pessoas sobre Tolkien. Então, vamos abordar algumas questões levantadas pelos ensaios memorialísticos, começando com o debate sobre a suposta ausência de ambiguidade moral nas obras de Tolkien, em relação tanto aos romancistas mais realistas quanto aos fantasistas posteriores que adotaram um estilo mais sombrio e menos heroico.
No trecho abaixo, de Sebastian Milbank, com uma fundamentação contraintuitiva, mas convincente, para o lugar de Tolkien entre os modernistas literários, está um resumo útil do argumento sobre a representação do bem e do mal em “O Senhor dos Anéis”, que tem sido contínuo desde que a saga apareceu pela primeira vez.
Milbank diz: “A resposta muitas vezes feroz de muitos críticos talvez decorra do aparente anacronismo do livro, combinado com sua enorme popularidade. Foi publicado em 1954, em um momento em que o modernismo literário era dominante e permeava a academia. Os escritores modernistas estavam obcecados com a interioridade, romperam com a convenção literária anterior e negociavam com ironia, ambiguidade e psicologia complicada.”
Ele segue: “Os críticos literários da época estavam adotando a ‘Nova Crítica’, que dispensava não apenas o fascínio da geração anterior pelo contexto histórico em favor da leitura atenta, mas também as preocupações tradicionalistas com a beleza e o aprimoramento moral, que eram considerados subjetivos e emocionalmente motivados. A prosa complexa e econômica, focada no lado mais sombrio da sociedade, estava na moda. Nesse contexto, caíram de paraquedas 1.200 páginas de anões, elfos e hobbits em uma grande batalha do bem contra o mal. Eles foram recebidos com o tipo de entusiasmo que se pode imaginar.”
E conclui: “Edmund Wilson chamou os livros de ‘bobagem’, uma batalha entre ‘pessoas boas e goblins’. A moralidade do livro foi um ponto de discórdia até mesmo para os críticos mais simpáticos, com Edwin Muir lamentando que ‘suas pessoas boas são consistentemente boas, suas figuras malignas imutavelmente más’.
Li muitas variações da afirmação de Muir ao longo dos anos, especialmente depois que “Game of Thrones” de George R.R. Martin se tornou uma influência cultural dominante, e isso nunca deixa de ser intrigante. Existem várias maneiras pelas quais Tolkien se recusa ao realismo, e seus livros não são de forma alguma crus ou sensuais no estilo contemporâneo. Mas a ideia de que ele não estava interessado no território entre o bem e o mal é destoante até mesmo de uma leitura mais superficial da história.
Sim, há um vilão em grande parte fora de cena, Sauron, cujo mal parece fixo; sim, os exércitos de orcs de Sauron são descritos como depravados e imutáveis; sim, há um conjunto de personagens que são heroicos e sem falhas, apesar de várias dúvidas e tentações. Mas entre o “consistentemente bom” e o “imutavelmente mau” está a zona em que a maior parte do drama da trilogia ocorre —a corrupção do mago Saruman, a tentação fatal de Boromir, o desespero e a subsequente redenção de Théoden, o conservadorismo azedo de Denethor e, acima de tudo, a relação complicada e torturada entre Frodo e Gollum, e dentro da própria consciência dividida de Gollum. A dinâmica Frodo-Gollum certamente apresenta bondade e heroísmo, mas não de maneira ingênua, e termina com a providência divina engenhando a salvação do mundo (embora não sua redenção completa) através e apesar de sua corrupção mútua pelo anel.
Já ofereci essa defesa da complexidade moral em Tolkien antes, então, em vez de insistir nisso, vamos tentar imaginar um contra-ataque de um crítico de Tolkien. Tal argumento poderia se basear em um momento inicial na narrativa, em “A Sociedade do Anel”, quando os hobbits conhecem pela primeira vez o guarda-florestal de aparência bastante desonrosa, Strider, e, ao decidir confiar nele, Frodo comenta que um servo de Sauron “passaria a impressão de ser mais justo e pareceria mais repugnante”.
É uma boa frase, mas aponta para um aspecto de tentação e corrupção que “O Senhor dos Anéis” não retrata realmente. Quando os personagens são tentados na trilogia de Tolkien, isso pode assumir diferentes formas —um falso realismo ou arrogância intelectual, um desejo mal direcionado de desempenhar um papel heroico ou messiânico, um sentimento de pessimismo e impotência ou simples vício no caso da droga de ação lenta do anel. Mas, além da beleza reluzente do próprio anel, você nunca vê alguém sendo enganado por uma falsa justiça, pelo glamour do mal, por uma crença equivocada de que Sauron está construindo um futuro mais brilhante e melhor para o povo da Terra-média.
De fato, contrariando a linha de Frodo, nenhum dos servos de Sauron realmente parece justo; eles parecem e são repugnantes, desde o Senhor dos Nazgul até o mais baixo dos orcs. Os habitantes da Terra-média podem se submeter ao poder de Mordor [a terra de Sauron] por desespero, corromper-se na esperança de resistir a ele ou buscar uma parceria por uma realpolitik equivocada. Mas ninguém é enganado quanto ao que Mordor realmente é: feio, sombrio e terrível.
Isso, então, seria o argumento mais sutil para a falta de sutileza de Tolkien —que seus personagens podem mostrar tons de cinza, mas seu mundo é nitidamente preto e branco, e o ímpeto de se juntar a Mordor é muito obviamente uma tentação ao mal puro, ao contrário das que existem no terreno ambíguo do mundo real.
Alguns podem argumentar que a Alemanha nazista e a União Soviética não pareciam imediatamente e automaticamente como Mordor para o mundo exterior, que eles “pareciam justos” no início para os apologistas conservadores de Adolf Hitler ou os intelectuais socialistas que celebravam Josef Stálin.
Os dois, contudo, não se esforçaram muito para disfarçar: os nazistas usavam raios e caveiras em seus uniformes e Hitler mal escondia suas ambições de eliminação; o comunismo ergueu monstruosidades arquitetônicas que se sentiriam em casa no Planalto de Gorgoroth [região de Mordor, na trilogia de Tolkien], enquanto governavam terras doentes pela poluição industrial. E eles eram apenas os casos mais evidentes em um século 20 que ofereceu muitas provas de que as pessoas nem sempre precisam de um glamour enganador, de uma falsa justiça, para se aliarem às trevas.
Portanto, às vezes é realista, não ingênuo, retratar a própria escuridão como o glamour, o apelo de um poder maligno como o ponto central. O diabo aparece para algumas pessoas como Lúcifer, o portador da luz, sim —mas sua face mais sombria também encontra adoradores. E quando falamos confortavelmente sobre a suposta falta de realismo e ingenuidade de Tolkien, talvez estejamos realmente expressando nosso desconforto com essa verdade fria e amarga.