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Carta no Vaticano revela que Igreja sabia do Holocausto – 17/09/2023 – Mundo

Uma carta encontrada entre os arquivos privados do papa Pio 12 sugere que a Igreja Católica foi informada em 1942 de que até 6.000 pessoas, “principalmente poloneses e judeus”, estavam sendo mortas em fornos todos os dias em Belzec, campo de extermínio nazista na Polônia.

Embora notícias das atrocidades perpetradas por Adolf Hitler já estivessem chegando aos ouvidos do papa, essa informação era especialmente importante porque vinha de uma fonte confiável da igreja baseada na Alemanha, diz Giovanni Coco, arquivista do Vaticano que descobriu a carta. A fonte estava “no coração do território inimigo”, afirma.

O documento, tornado público neste fim de semana pelo jornal italiano Corriere della Sera, corrobora as evidências de alguns pesquisadores que defendem que Pio sabia do Holocausto. Alguns estudiosos dizem que ele não queria confrontar ou ofender Hitler porque temia o comunismo, acreditava que as potências do Eixo venceriam a guerra e queria evitar alienar milhões de católicos alemães e simpatizantes nazistas.

Outros historiadores insistem em que Pio permaneceu em silêncio publicamente porque estava secretamente organizando —ou pelo menos permitindo— que católicos locais ajudassem e salvassem judeus dos nazistas, e ele também temia que os nazistas pudessem atacar os católicos.

Trata-se de um dos documentos mais reveladores que surgiram desde que o papa Francisco ordenou a abertura dos arquivos de Pio em 2019, dizendo que “a igreja não tem medo da história”.

Coco afirma que não se pode ter certeza de 100% de que Pio viu a carta, mas estava “99% certo” porque ela foi entregue ao secretário pessoal do papa, seu “braço direito”. O secretário teria encaminhado as informações ao papa, “se ele não lhe mostrou os documentos diretamente”, diz.

Desde 2020, estudiosos têm explorado os documentos que cobrem o papado de Pio, que durou de 1939 a 1958, buscando entender melhor a resposta do Vaticano ao nazismo e ao Holocausto, bem como o legado controverso do pontífice, que permaneceu em silêncio público enquanto milhões de judeus eram mortos.

Dirigida ao secretário de Pio, o reverendo Robert Leiber, a carta foi escrita por um padre jesuíta alemão, o reverendo Lothar Koenig, que era membro de um movimento de resistência alemão. Na carta, datada de 14 de dezembro de 1942, Koenig procurou informar o Vaticano sobre “o estado da perseguição da igreja na Alemanha, acima de tudo”, diz Coco, que tem catalogado os papéis pessoais de Pio no Vaticano.

A carta incluía um apêndice com o número de padres presos no campo de concentração de Dachau, perto de Munique. Mencionava o campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, em referência a outro relatório ainda não descoberto. E citava os milhares de poloneses e judeus sendo assassinados pelos nazistas em Belzec.

Michele Sarfatti, do Centro de Documentação Judaica Contemporânea de Milão, que também tem estudado os arquivos de Pio, diz que a carta era importante porque foi encontrada nos papéis pessoais, o que significava que o pontífice a havia guardado “e presumivelmente a lera”. Do ponto de vista historiográfico, era uma indicação de que o papa estava ciente do que estava acontecendo em vários campos, afirma Sarfatti.

Procurado, o Vaticano não respondeu aos pedidos de comentário.

Para Coco, Pio tinha medo de falar contra Hitler porque os nazistas atacariam os católicos em retaliação. “Havia preocupação com o que poderia acontecer com os católicos na Polônia, na Europa Oriental, no Terceiro Reich, todos esses territórios sob controle nazista onde era difícil para a igreja intervir”, diz.

A carta suplica ao Vaticano que seja cauteloso ao divulgar as informações que fornece “porque se ficasse claro que vinha da igreja alemã, a perseguição se tornaria mais feroz na Alemanha do que já era”, afirma Coco.

Sarfatti, cuja pesquisa mais recente se concentra em documentação de 1942, identificada por alguns estudiosos como “o ano mais sangrento do Holocausto”, afirma que a Santa Sé recebeu relatórios naquele ano sobre as atrocidades de inúmeras fontes: padres que retornavam ao Vaticano de viagens, clero local, núncios papais, políticos de países ocupados, cidadãos, grupos judaicos e rabinos.

“Muitas pessoas estavam escrevendo para a Santa Sé descrevendo o que estava acontecendo”, diz Sarfatti.

No início de 1942, poucas pessoas, incluindo judeus, entendiam que Hitler queria exterminar os judeus. Mas à medida que o ano avançava, “havia uma associação crescente entre as palavras ‘judeu’ e ‘morte’ nesses relatórios – isso por si só deveria ter dado uma ideia do que estava acontecendo”, diz ele.

Sarfatti, que nos Arquivos Apostólicos do Vaticano encontrou dois documentos que mencionam câmaras de gás, afirma que a carta era uma prova “que podemos adicionar a outras”. David Kertzer, um professor da Universidade Brown que tem trabalhado nos arquivos, explica que o documento era “mais detalhado” sobre “relatos de que o papa estava recebendo no verão de 1942 sobre o assassinato em massa dos judeus” de várias fontes, que são discutidos em seu livro sobre Pio, “O Papa em Guerra”.

Coco diz acreditar que a carta que encontrou fizesse parte de uma “correspondência muito mais longa” que antecedeu e continuou após dezembro de 1942.

Pio sentia-se “particularmente próximo” dos jesuítas alemães, afirma Kertzer, sendo o secretário de Pio um exemplo importante. “Não haveria fonte mais confiável para o papa sobre o que estava acontecendo lá do que um jesuíta alemão”.

A carta será publicada na próxima semana em um livro de Coco sobre sua pesquisa nos papéis pessoais de Pio.

Fonte: Folha de São Paulo

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