Em plena crise com o Ocidente devido à Guerra da Ucrânia, a Rússia flexionou sua musculatura militar na região do Ártico, uma de suas principais fronteiras estratégicas, nesta segunda (18).
Cerca de 10 mil militares da Marinha participaram de lançamentos de mísseis de cruzeiro Vulkan, Granit e Onix em alvos simulados no mar de Bering, que separa o seu território do Alasca, estado norte-americano que foi vendido pelos russos aos EUA em 1867.
Os exercícios foram conduzidos na região de Tchukotka e também no mar de Tchuktchi, que fica acima de Bering no círculo polar ártico. Os mísseis foram disparados de terra, de navios e de submarinos, numa demonstração supervisionada pelo comandante da Marinha, alrmirante Nikolai Ievmenov.
O objetivo declarado da manobra era a “proteção da rota marítima da norte”, um dos projetos prioritários de Vladimir Putin. Desde a aceleração do derretimento do gelo ártico no verão, devido às mudanças climáticas, foi facilitado o transporte comercial entre os portos da Rússia no mar de Barents, no extremo leste do país, e a China, passando pelo círculo polar.
A Rússia já opera a única frota de quebra-gelos de propulsão nuclear do mundo, e com menos obstáculos, os planos foram feitos para incrementar o intercâmbio comercial com a vital aliada na Guerra Fria 2.0 contra os EUA e seus aliados ocidentais.
Ao demonstrar capacidades militares, Moscou busca lembrar os adversários de que pretende garantir a segurança naquela rota. No ano passado, Putin afirmou que deverá gastar o equivalente a US$ 150 bilhões até 2035 com o desenvolvimento da infraestrutura portuária ao longo da rota do Ártico —a região já ganhou a única usina nuclear flutuante do mundo.
No mês passado, em encontro do bloco Brics (com Brasil, Índia, China e África do Sul) ao qual compareceu de forma virtual para evitar ser preso devido à ordem do Tribunal Penal Internacional, o presidente russo afirmou que novos terminais de exportação de hidrocarbonetos estão sendo construídos —já há grandes projetos de exploração de gás natural na região, como o Iamal.
Também nesta segunda, a Rússia interceptou um avião de patrulha e espionagem P-8A da Marinha dos EUA perto de seu espaço aéreo no mar de Barents. Um caça MiG-31 da Frota do Norte, baseada no porto de saída da rota marítima em Murmansk, foi empregado na ação.
O P-8A, principal modelo do tipo dos EUA e de diversos países, deu meia-volta. Nas últimas semanas, isso havia acontecido ao menos três vezes com um avião idêntico da Força Aérea da Noruega, que é vizinha da região de Murmansk.
Tais interceptações são uma realidade quase diária em pontos de atrito entre grandes e médias potências. Com a guerra, o mar Negro viu explodir a atividade aérea, com os riscos inerentes explicitados no choque entre um caça russo e um drone americano no começo do ano. Báltico, Ártico, Oriente Médio, mar do Sul da China, estreito de Taiwan veem ações frequentes.
Enquanto isso, na Ucrânia, o conflito segue em alta temperatura. Ao longo da noite de domingo para segunda, as forças locais disseram ter derrubado todos os 17 mísseis de cruzeiro lançados contra seu território, além de 18 de 24 drones suicidas. Houve explosões em vários pontos do país, e ao menos quatro pessoas morreram.
Não houve ataques relatados na região do rio Danúbio, onde destroços de drones russos têm caído na vizinha Romênia, integrante da aliança militar ocidental Otan. O país, contudo, diz que tais incidentes não configuram o um ataque, o que elevaria ainda mais a crise em curso.
Nesta segunda, a Bulgária, outro membro da Otan às margens do mar Negro, afirmou ter localizado um drone armado com explosivos em uma de suas praias. Não está claro se ele caiu ou se havia sido levado pelas correntes marítimas, e também não foi divulgado se ele era russo ou ucraniano.
Em Kiev, o governo segue a mudança no comando da Defesa, com a troca dos seis vice-ministros da pasta. Há duas semanas, o titular, Oleksii Reznikov, foi substituído após o desgaste decorrente das dificuldades ucranianas na contraofensiva lançada em junho e diversos casos de corrupção.
Desde então, o governo de Volodimir Zelenski tem focado em ações mais espetaculosas, como o ataque que danificou um navio e um submarino russos em reparos numa doca seca na sede da Frota do Mar Negro, em Sebastopol, na semana passada.
Além disso, após propagandear que estaria perto de um avanço mais decisivo no sul de sua frente contra os invasores, Kiev agora parece ter focado na tentativa de reconquistar Bakhmut, bastião da região de Donetsk (leste) que os russos haviam tomado em maio.
Nesta segunda (18), as Forças Armadas de Zelenski afirmaram ter rompido uma linha de defesa próxima da cidade. O Ministério da Defesa da Rússia contesta isso, dizendo que segue repelindo os ataques dos rivais.
Seja qual for a realidade, o fato é que o tempo para os ucranianos está acabando, dado que as chuvas do outono do Hemisfério Norte devem começar talvez em um mês ou menos, obstruindo movimentos de tropas e blindados. O momento para conquistar algum prêmio e manter o apoio do Ocidente, para os generais ucranianos, é agora.
Os russos, por sua vez, têm apostado na resistência e nos avanços que fazem mais ao norte, esperando a chegada do mau tempo para iniciar uma campanha de bombardeio com mísseis de longa distância semelhante à do ano passado, visando deixar a Ucrânia sem energia durante os meses de inverno.