Depois de tantas décadas lutando contra mestres do mal determinados a destruir o Reino Unido, a versão do século 21 de James Bond encontrou um antagonista muito do século 21. No mais novo romance de Bond, “No Serviço Secreto de Sua Majestade”, 007 é encarregado de proteger o Rei Charles 3º de um plano vil tramado por um supervilão cujo nome de guerra é Athelstan de Wessex —em outras palavras, um defensor da Inglaterra, um defensor do Brexit, um populista de direita, aparentemente o verdadeiro e legítimo herdeiro de Goldfinger e Blofeld.
O Bond do romance, que mantém um “relacionamento situacional” com “uma ocupada advogada especializada em direito de imigração” (não se preocupe, ele não está se aproveitando dela, “ele não era o único homem com quem ela estava saindo”), deve viajar para a Hungria de Viktor Orban para se infiltrar na vasta conspiração de direita e evitar um ataque terrorista na coroação de Charles. Ao longo do caminho, o agente secreto reflete sobre a superioridade do sistema métrico e os “apitos de cachorro” deploráveis do populismo.
A mera existência do livro parece projetada para agitar os conservadores; eu não o teria lido sem o estímulo de críticas hostis de escritores britânicos de direita. Mas o novo Bond progressista também é útil para ilustrar uma característica interessante da política contemporânea nos países de língua inglesa.
Não é apenas que o progressismo americano fornece uma língua franca ideológica que se estende por toda a esfera anglófona, de modo que o que chamamos de “wokeness” influencia naturalmente tanto o MI6 fictício quanto a CIA real. É que formas de progressismo que se originaram nos Estados Unidos, sob condições específicas do país, podem parecer mais potentes entre nossos amigos e vizinhos de língua inglesa do que nos Estados Unidos propriamente ditos.
Esta não é uma afirmação totalmente comprovável, mas é algo que senti fortemente em visitas recentes ao Canadá e à Grã-Bretanha. Politicamente, os conservadores canadenses e os britânicos estão em posições muito diferentes. No Canadá, o líder conservador, Pierre Poilievre, parece estar prestes vencer nas próximas eleições, o que encerraria o reinado de três mandatos de Justin Trudeau como primeiro-ministro. Na Grã-Bretanha, os conservadores estão próximos de perder as próximas eleições, o que os colocaria na oposição pela primeira vez desde 2010.
Mas no poder ou fora dele, ambos os grupos pareciam culturalmente assediados, resignados à força progressista e um pouco invejosos da posição dos conservadores americanos (se não de nossa dependência política de Donald Trump). Nas conversas no Canadá, havia lamentações pelo que foi perdido quando Trudeau derrotou Stephen Harper em 2015 —como as eleições têm consequências e como no Canadá elas significaram uma guinada para a esquerda que provavelmente nenhum governo conservador reverterá. Nas conversas britânicas, o assunto era sobre como as eleições não têm consequências e como o governo teoricamente conservador não fez nada para deter a resiliência dos vieses progressistas no governo e o avanço da “wokeness” ao estilo americano na cultura.
Essas reclamações abrangem muitas realidades diferentes. No Canadá, elas abarcam o rápido avanço do liberalismo na política de drogas e eutanásia —com a descriminalização da maconha em todo o país seguida pelo novo experimento na província da Colúmbia Britânica na descriminalização de algumas drogas mais pesadas, enquanto a assistência ao suicídio se expande mais rapidamente do que em qualquer estado americano mais liberal. Na Grã-Bretanha, elas abrangem a crescente aplicação de códigos de discurso progressistas contra os conservadores culturais —como o conselheiro conservador recentemente preso pela polícia por retuitar um vídeo criticando como os policiais lidaram com um pregador de rua cristão.
Em ambos os países, as reclamações também tocam no aumento das taxas de imigração. A política consciente do governo Trudeau, que encabeça um aumento extraordinário de novos habitantes canadenses, e a política sonâmbula dos conservadores britânicos, que apesar do Brexit e de repetidas revoltas populistas, observam taxas recordes de imigração. (Em contraste, quando a América elegeu Trump, defensor da restrição à imigração, as taxas diminuíram.)
E em ambos os países os conservadores sentem que suas elites nacionais estão desesperadamente procurando suas próprias versões do acerto de contas racial que abalou os Estados Unidos no verão de 2020, não obstante a ausência de uma experiência semelhante à americana relativa à escravidão ou às leis JimCrow.
Disso viriam a onda de pedidos de desculpas nacionais, celebrações patrióticas canceladas e incêndios em igrejas no Canadá em 2021, após a descoberta de uma vala comum na Colúmbia Britânica perto de uma das escolas para crianças indígenas patrocinadas pelo governo canadense, muitas vezes por meio de instituições religiosas, nos séculos 19 e 20. (A crueldade e negligência nessas escolas eram reais, mas as alegações específicas sobre valas na escola ultrapassaram as evidências até agora escassas.) Ou daí viria a tentativa de reescrever a história profundamente homogênea da Inglaterra —desde 1066, pelo menos— em uma narrativa de nação de imigrantes ao estilo americano, e a sensação, como escreveu o autor britânico Ed West em 2020, de que nas escolas inglesas “a história da América está engolindo a nossa própria”.
Na medida em que essas reclamações capturam uma realidade anglófona, acredito que o leitor consiga identificar vários pontos diferentes que podem explicar o que os conservadores canadenses e britânicos estão vendo.
O primeiro é uma tendência geral dos líderes provinciais de exagerar ao estabelecer sua solidariedade e identificação com as elites do núcleo imperial. Tanto Ottawa quanto Londres podem parecer capitais de províncias dentro do império americano, então não é surpreendente que seus líderes e formadores de opinião se apressem em abraçar ideias que parecem estar na vanguarda americana —agindo, como diz o escritor britânico Aris Roussinos, como “chefes gauleses ou dácios vestindo togas e trocando epítetos latinos desajeitados” para estabelecer sua identificação com Roma.
Em contraste, na Europa continental, em países que estão sob o guarda-chuva de segurança americano mas não compartilham tanto de nossa língua e cultura, o zelo pela imitação parece um pouco mais fraco, e a política “antiwoke”, que também é um antiamericanismo, parece mais influente.
O segundo ponto é o papel da secularização e da descristianização, que estão mais avançadas no Reino Unido e no Canadá do que nos Estados Unidos. O novo progressismo não é simplesmente um substituto do cristão-novo ou do semicristão para a antiga fé ocidental, mas a retórica de diversidade, equidade, inclusão e antirracismo claramente preenche parte do vazio deixado pelo recuo do cristianismo e particularmente do protestantismo.
Portanto, não seria surpreendente que uma ideologia que se origina nos redutos pós-protestantes dos Estados Unidos tenha muita aceitação no Canadá ou na Grã-Bretanha pós-protestante, enquanto encontra mais resistência nas regiões mais religiosas da América —e não apenas no cinturão bíblico cristão e branco, mas também entre as minorias religiosas conservadoras, cuja tendência conservadora pode estar mantendo a coalizão republicana de pé.
O terceiro ponto é que países menores com elites igualmente menores podem achar mais fácil impor a conformidade ideológica do que países mais amplos e diversos. Uma vez que um conjunto de ideias se estabelece entre os formadores de opinião —ideias progressistas, neste caso, embora isso possa se aplicar a outras visões de mundo também— é mais natural se conformar a ele e mais difícil discordar dele nos redutos acolhedores de Westminster ou entre a elite Laurentiana do Canadá do que na meritocracia americana, que gera mais centros de poder concorrentes e facções dissidentes.
Um exemplo extremo dessa tendência é visível na Irlanda, que mudou rapidamente de uma exceção conservadora-católica do Ocidente para uma sociedade quase uniformemente progressista, uma transformação que o escritor irlandês Conor Fitzgerald atribui a uma realidade fundamental da vida em uma pequena ilha: “Devido ao tamanho da Irlanda, é muito mais socialmente custoso para um irlandês parecer ir contra um consenso do que é para outras pessoas em outros países”.
Um ensaio recente do pesquisador Thomas Prosser, de Cardiff, traça uma semelhança com outras instituições políticas celtas menores, observando que a Escócia e o País de Gales, assim como a Irlanda, têm governos mais progressistas do que seus eleitores, um padrão que ele atribui à maneira como ideologias ascendentes (neoliberalismo nos anos 1990 e progressismo “woke” agora) podem alcançar uma espécie de “captura” total da elite com mais facilidade em nações menores.
Desafiar o consenso é presumivelmente mais fácil na Grã-Bretanha e no Canadá. Mas não tão fácil, talvez, quanto nos vastos e agitados Estados Unidos —que, em sua multifacetada proteção da Primeira Emenda, pode ser tanto o berço de um novo e potente progressismo, quanto o lugar onde a resistência a essa ideologia é forte, mais forte até mesmo do que entre o 007 e outros servidores de Sua Majestade o Rei.