A Ucrânia destruiu pela primeira vez um sistema antiaéreo dentro do território reconhecido da Rússia, um ataque que analistas acreditam que tenha sido possível com o emprego de foguetes de precisão americanos.
A ação ocorreu no domingo (2) cerca de 50 km ao norte da fronteira ucraniana, na região de Belgorodo (sul russo), principal alvo de Kiev no vizinho. Imagens diversas emergiram em redes sociais e foram georreferenciadas, embora nenhum dos lados tenha comentado o episódio.
Segundo a imprensa ucraniana, blogueiros militares russos e um analista moscovita consultado pela Folha, apenas armas ocidentais à disposição de Kiev são capazes de fazer um ataque tão preciso.
Na sexta (31), os Estados Unidos confirmaram ter autorizado o uso de algumas de suas armas contra o território russo, um movimento que Moscou denuncia como uma escalada que pode levar a um conflito entre as potências nucleares.
A condição do governo Joe Biden, que até aqui proibia tal emprego, é que as armas só sejam usadas contra alvos militares envolvidos na nova frente da guerra, aberta por Vladimir Putin com a invasão da região de Kharkiv (norte da Ucrânia), que faz divisa com Belgorodo.
O Pentágono também disse que apenas algumas armas poderiam ser usadas, excluindo do rol os potentes mísseis ATACMS, que teriam alcance para a ação do domingo. A suspeita então recai sobre o emprego de foguetes guiados de precisão, disparados pelo lançador M142 HIMARS (Sistema de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade, na sigla inglesa).
Eles podem atingir alvos, na versão dos foguetes dados pelos EUA, a pouco mais de 70 km. Antes, eles e os ATACMS haviam atacados sistemas antiaéreos russos na Crimeia, região anexada em 2014 por Putin, e e nas áreas ocupadas por Moscou desde a invasão de 2022, no sul e no leste da Ucrânia.
Pelas imagens, não é possível distinguir se foi alvejado um sistema S-300, mais antigo, ou S-400, mais moderno e capaz. Segundo o site de monitoramento de perdas militares Oryx, até aqui a Rússia havia perdido 25 componentes de lançamento e 6 radares de baterias antiaéreas na guerra.
Na segunda (3), o vice-chanceler Serguei Riabkov voltou a ameaçar os EUA e outros aliados que autorizaram o uso de suas armas contra a Rússia, como a Alemanha, França e Reino Unido. Disse que os americanos “cometeram um erro fatal”, prometendo reação.
Nesta terça (4), o assessor presidencial ucraniano Andrii Iermak disse, sem entrar em detalhes, que as armas ocidentais permitirão neutralizar o poder ofensivo russo em Kharkiv.
“Isso vai impactar a condução da guerra, o planejamento de ações contraofensivas, e irá enfraquecer as habilidades dos russos de usar suas forças nas áreas fronteiriças”, escreveu Iermak, um dos principais aliados do presidente Volodimir Zelenski, no Telegram.
As meias palavras visam testar a situação. Antes da confirmação da autorização, Putin e outras autoridades russas passaram semanas alertando para o risco de uma guerra nuclear caso identificassem armas ocidentais sendo usadas contra território russo.
Reunida na semana passada, a Otan qualificou a ameaça como um blefe. Seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, fez campanha ativa para que os membros da aliança militar ocidental dessem o aval para o uso de suas armas.
Putin, que havia ordenado um exercício de uso de armas nucleares em campo de batalha como reação à movimentação ocidental, reagiu à autorização com um ataque amplo a regiões em todos os quadrantes da Ucrânia na noite da própria sexta e madrugada de sábado (1º), mirando o combalido sistema energético do vizinho.
Na Rússia, o debate público tem sido pautado pelo belicismo. Um dos principais propagandistas do Kremlin, Vladimir Soloviev, disse no seu programa de TV do domingo que a Alemanha deveria ter suas cidades devastadas, e recebeu um especialista que sugeriu a obliteração da Polônia com o emprego de 30 ou 40 ogivas nucleares.
A discussão também ocorre em ambiente teoricamente mais qualificado. No domingo, o Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais de Moscou promoveu um debate sobre a dissuasão nuclear entre Dmitri Trenin (Escola Superior de Economia) e Alexei Arbatov (Centro Primakov).
Trenin, que abandonou uma posição moderada quando a guerra levou ao fechamento do Centro Carnegie de Moscou, que dirigia, defendeu uma “dissuasão ofensiva” —eufemismo para eventual uso de bombas nucleares táticas. Já Arabatov falou sobre restaurar a eficácia da dissuasão como conhecida, com restrição entre rivais.