Reformas polêmicas pleiteadas por Andrés Manuel López Obrador no México poderiam ser aprovadas na gestão de Claudia Sheinbaum, sua sucessora, eleita na noite deste domingo (2) a primeira mulher presidente da segunda maior economia da América Latina.
As projeções iniciais divulgadas pelo órgão eleitoral mexicano, o INE, estimam que a coalizão governista —formada por Morena, PT (Partido do Trabalho) e PVEM (Partido Verde Ecologista do México)— obterá com folga maioria qualificada na Câmara dos Deputados.
Já no Senado, a possibilidade ainda está em aberto. As estimativas conservadoras do órgão projetam que a tríade de partidos conseguiria apenas maioria absoluta na Casa —mais da metade das cadeiras.
Por sua vez, as estimativas mais arrojadas dizem que a coalizão pode obter também a maioria qualificada —2/3 das cadeiras, quantidade necessária para aprovar mudanças na Constituição.
Se Sheinbaum não mudar os rumos do que seu padrinho político escreveu ainda durante seu sexênio no poder, estaria pavimentado o caminho para aprovar mudanças polêmicas em instituições como a Suprema Corte do México e o Instituto Nacional Eleitoral.
É o chamado “Plano C” de AMLO, um pacotão de 20 mudanças que apresentou à nação neste ano mas não colocou em votação no Legislativo porque sua base governista não possuía a maioria qualificada necessária para aprová-lo sem ter de negociar com partidos opositores que já se mostraram arredios a essa agenda.
O populista enviou no início de fevereiro à Câmara uma reforma do Supremo que permitiria a eleição por voto popular de ministros da máxima instância de Justiça do país, de magistrados e juízes.
Opositores afirmam que essa mudança abriria margem para que partidos políticos fizessem campanha por candidatos, que receberiam verba e lobby para votar por agendas partidárias, asfixiando dessa maneira a independência do Supremo.
AMLO responde que o desenho de sua proposta prevê que não seria permitido financiamento público ou privado aos postuladores.
O padrinho da presidente eleita afirmava que “o Poder Judiciário está sequestrado a serviço de uma minoria, a serviço dos criminosos de colarinho branco”. “Só a participação do povo, elegendo advogados incorruptíveis, nos fará avançar”, disse ele ao anunciar a proposta.
Formada por 11 magistrados, a Suprema Corte do México já impôs freios aos intentos do presidente. Nestes último anos, barrou uma tentativa do populista de alterar o órgão eleitoral mexicano e também bloqueou sua reforma do setor elétrico que, aprovada no Legislativo, concentraria esse mercado na mão de empresas estatais, o que na visão da corte violaria os princípios de competição de mercado.
É justamente o INE outra das instituições que seriam alteradas segundo o pacotão de 20 mudanças institucionais que efusivamente López Obrador dizia que iria para votação caso sua base obtivesse maioria legislativa na votação desde 2 de junho.
A proposta reduziria o financiamento do órgão e, no mesmo sentido do Supremo, faria com que seus conselheiros passassem a ser eleitos por voto popular. Hoje, eles são escolhidos com base em um concurso público aberto pelo Congresso, que depois analisa os melhores nomes, organiza-os em listas com paridade de gênero e os sorteia.
AMLO, e também Sheinbaum, afirma que o INE opera em prol da oposição. O argumento de alguma maneira ganhou força quando a campanha da candidata opositora, Xóchitl Gálvez, apropriou-se do rosa, a cor-símbolo do instituto, para marketing nesta corrida eleitoral.
O pacote governista também prevê colocar a Guarda Nacional, a força de segurança criada por AMLO com a justificativa de combater os altos índices de violência no país, a cargo da Secretaria de Defesa —leia-se, dos militares— e tirá-la do guarda-chuva civil. Na prática, a guarda já é dominada pelo comando militar, que ganhou mais poder com Obrador.
Há ampla preocupação de especialistas independentes e da oposição com essa militarização da segurança pública. O argumento central é o de que os militares não foram treinados para essa tarefa, originalmente das polícias municipais, hoje sucateadas.
Claudia Sheinbaum venceu as eleições como a presidente mais votada da história do México com uma plataforma que repetia o programa de AMLO. Ela prometeu, mais de uma vez, levar “ao segundo grau” as mudanças que Obrador colocou em prática no México.
De perfil mais técnico, essa física com carreira acadêmica na área ambiental, porém, deixa em aberto a possibilidade de conduzir um governo menos polêmico. Em seus primeiros discursos de vitória, ela não descartou a plataforma-chave do Morena, que nacionalismo.
Mas deu pistas: disse que favorecerá investimentos privados nacionais e internacionais e a liberdade de imprensa e que, por convicção, o autoritarismo não é uma escolha. Analistas ponderam que ela buscará imprimir um “selo próprio” diferente do que tem o padrinho político. Ao assumir em 2018, Obrador fez discurso muito semelhante. Conduziu, porém, um governo bem distante de suas promessas.
Com Sheinbaum, será preciso esperar para ver.