Quase um ano após a morte de Mahsa Amini, 22, sob custódia da polícia por supostamente descumprir o rígido código de vestimenta no Irã, o regime que comanda o país voltou a restringir a internet numa aparente tentativa de coibir novos protestos, dizem ativistas que atuam em defesa dos direitos humanos.
Uma série de manifestações eclodiu em todo o Irã após a morte da jovem curda em 16 de setembro do ano passado, três dias depois de ela ser presa em Teerã por supostamente não usar o hijab, o véu islâmico, da forma correta. Policiais dizem que ela sofreu um ataque cardíaco após a detenção. A família de Amini, porém, alega que ela foi agredida por agentes da polícia moral, responsável por aplicar os códigos de conduta religiosos do regime.
Pelo menos 22 mil pessoas foram detidas na repressão aos protestos –os maiores desde a fundação da República Islâmica, em 1979— e sete acabaram executadas pelo regime. Agora, as autoridades iranianas estão tomando medidas para evitar que o assunto volte à tona, acusam ativistas.
Além de bloquear milhares de páginas na internet, o Irã tem imposto uma espécie de “toque de recolher digital”, interrompendo o acesso à noite, quando os protestos são mais frequentes. As autoridades também vêm bloqueando aplicativos de mensagens e criminalizando o uso de redes privadas virtuais (VPNs), que contornam as restrições.
O Irã ficou em terceiro lugar no mundo em número de vezes que bloqueou a internet no ano passado, de acordo com o grupo de direitos digitais Access Now. As medidas impostas pelo regime incluem o encerramento de redes móveis, tanto a nível nacional como em áreas específicas, e o bloqueio ao Instagram e ao WhatsApp, plataformas que ainda não estão sujeitas a proibições completas.
“Os fechamentos da internet violam os direitos humanos”, disse Marwa Fatafta, gerente de políticas e defesa do Access Now. “Tratam-se de ataques desproporcionais e draconianos aos direitos humanos, implementados para manter as pessoas na ignorância, impedir os fluxos de informação, ocultar atrocidades e violações e, consequentemente, proteger as autoridades da responsabilização.”
O acesso à internet nunca esteve tão ruim no Irã, acrescenta Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança do Miaan, grupo com sede no Texas que defende os direitos humanos no país do Oriente Médio. Segundo ele, as dificuldades são maiores em regiões onde vivem minorias étnicas e religiosas, caso do Curdistão, onde Manini viveu e foi enterrada, e Khuzistão, lar de muitos árabes iranianos.
Em Baluchistão, onde parte da população pertence à minoria étnica Baluch, grupos de direitos humanos dizem que a polícia disparou de telhados e matou até 96 pessoas enquanto protestavam no ano passado. “As autoridades têm desligado a internet todas as semanas durante as orações de sexta-feira na região”, disse Rashidi à organização sem fins lucrativos Thomson Reuters Foundation.
Após a imposição de sanções, alta da inflação e crescimento do desemprego, as interrupções da internet custaram ao Irã US$ 773 milhões (R$ 3,7 bilhões) em 2022, segundo o grupo de pesquisa de privacidade digital TOP10VPN. O impacto é sentido principalmente pelas pequenas empresas.
“Não tivemos um dia sem que a internet causasse algum tipo de problema. É impossível ter uma vida normal nessas condições”, disse Saeed Souzangar, que luta para manter sua empresa de tecnologia em Teerã funcionando. “Vendi minha casa e meu carro só para manter as luzes do escritório acesas”.
Apesar do custo, as autoridades iranianas vêm adotando medidas duras contra possíveis opositores. O líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, apelou em junho ao poder judicial para reprimir com mais força a dissidência online Enquanto isso, o ministro das Comunicações, Issa Zarepour, disse no mês passado que o país tinha “o dobro” do acesso à internet de que precisava. O ministério não respondeu a pedidos de comentários.